“Desigualdade de género” e “desrespeito” da Federação canadiana e leis contra pessoas trans unem jogadoras em protesto no EUA - Canadá
Jogadoras da seleção do Canadá com camisolas de protesto onde se lê "Enough is enough", antes da partida contra os EUA
James Williamson - AMA/Getty
Em Orlando, em encontro da SheBelieves Cup, as canadianas foram a jogo depois de desmarcada a greve na sequência do diferendo que mantêm com a Federação, mas mostrando camisolas com a mensagem “enough is enough”, tendo o apoio das adversárias, que se manifestaram contra os EUA atuarem na Flórida, estado que aproveu leis contra menores e atletas trans
No passado sábado, Christine Sinclair, capitã da seleção feminina do Canadá, anunciou que a equipa iria fazer greve, em protesto contra a Federação devido a cortes de financiamento, falta de transparência ou falta de igualdade de pagamento, no seguimento da difícil relação que as jogadoras e jogadores de futebol têm tido contra a entidade que rege o jogo no país. A decisão foi apoiada pela equipa masculina mas, pouco depois, as campeãs olímpicas em título desmarcaram a greve devido à ameaça, feita pela Federação, de ir para os tribunais, com Sinclair a dizer que as jogadoras “não poderiam tomar os riscos” associados à greve.
Assim, o Canadá disputa a SheBelieves Cup, competição nos EUA envolvendo os dois países da América do Norte, o Brasil e o Japão. Só que o faz “em protesto”, sendo as jogadoras “obrigadas a voltar ao trabalho”, mas garantindo que "continuarão a lutar", sublinhou a capitã. E, no jogo contra as anfitriãs, a promessa foi cumprida.
Em Orlando, as jogadoras do Canadá vestiram camisolas com a frase “enough is enough” ("já chega"), num gesto de revolta contra a Federação. A iniciativa foi apoiada pela equipa dos EUA, que se juntou às suas adversárias num abraço no campo antes do jogo, que foi vencido pelas anfitriãs por 2-0. Megan Rapinoe disse que as imagens vistas na Flórida serão “muito poderosas daqui para a frente”.
Antes do apito inicial, as jogadoras de ambas as seleções juntaram-se num abraço no centro do campo
James Williamson - AMA/Getty
Num comunicado, a Associação de Jogadoras dos EUA disse que as suas “colegas do Canadá estão a enfrentar a mesma misóginia perversa e tratamento desigual” que as campeões do mundo já enfrentaram, numa referência à luta pela igualdade salarial.
A Associação de Jogadoras do Canadá garante que a equipa “continuará a usar roxo até que a Federação tenha padrões em prática que assegurem igualdade de tratamentos e oportunidades”. “Exigimos mudanças imediatas. Sentimo-nos frustradas e desrespeitadas pela Federação”, garantem. Há, também, a ameaça de boicote ao estágio da equipa em abril.
O mal-estar entre jogadoras e jogadores do Canadá e Federação não é novo. A seleção masculina apoia a causa da feminina — “com todo o coração”, disseram os jogadores em comunicado, sublinhando ser “vergonhoso” que a equipa feminina não esteja a ser “devidamente apoiada” — e entrou mesmo em greve em 2022 devido aos prémios monetários do Mundial.
Já nos anos 80 e 90 havia disputas dos atletas com a Federação. Em novembro, Mike Sweeney, membro da seleção que estreou o Canadá em Mundiais em 1986, recordou à Tribuna Expresso o historial de “sub-financiamento” do soccer no país, ele que chegou a ameaçar não comparecer a um jogo decisivo de apuramento para o Mundial 1994.
Em resposta, a Federação diz ter “um passado que prova o apoio" ao futebol feminino, garantindo que a igualdade de pagamento está “no centro das negociações em curso” com as jogadoras. “Queremos ter isto resolvido, para ambas as seleções e para o futebol do Canadá”, sublinhou a entidade em comunicado.
União contra leis sobre trans
Não só o protesto das canadianas marcou o jogo de Orlando. Ambas as seleções utilizaram faixas nos braços, debaixo do roxo da causa canadiana, onde se lia “defend trans joy” ("defende a alegria trans"). A mensagem deve-se à aprovação de nova legislação na Florida, palco do encontro, que proíbe cuidados de saúde transgénero para pessoas com menos de 18 anos. Em 2021, o Estado baniu raparigas e mulheres trans de participarem em competições desportivas em escolas e universidades.
As jogadoras utilizaram faixas nos braços onde se lia "Defend trans joy"
Brad Smith/ISI Photos/Getty
A última jornada da SheBelieves Cup será jogada no Texas, um estado que também aprovou leis contra atletas trans.
Alex Morgan, que foi homenageada por chegar às 200 internacionalizações pelos EUA, argumentou que a seleção deveria considerar os locais onde joga, tendo em conta estas leis. “Olhando para os encontros na Flórida e no Texas, teremos de ter discussões internas com a equipa, porque não somos do tipo de fugirmos de conversas difíceis ou de lutarmos pelo que está certo”, disse uma das principais estrelas do soccer.