Futebol feminino

As mulheres devem escolher as lutas certas, dizia Infantino. As jogadoras espanholas já escolheram: ir contra Rubiales “até à morte”

As mulheres devem escolher as lutas certas, dizia Infantino. As jogadoras espanholas já escolheram: ir contra Rubiales “até à morte”
Daniela Porcelli/ISI Photos

As 23 espanholas que conquistaram o Campeonato do Mundo juntaram-se a antigas futebolistas da seleção num grupo de WhatsApp e, em conjunto com o sindicato de jogadores do país, se alinharem num comunicado e numa postura: criticarem Luis Rubiales publicamente, nas redes sociais. Alexia Putellas descreveu que o discurso do presidente da federação foi “inaceitável” e Aitana Bonmatí, a melhor jogadora do Mundial, escreveu que “há limites que não se podem cruzar e não vamos tolerar isto”

Com o tempo e a evolução das modernices da internet, das redes sociais e de tudo o que é dito e feito por constar quase instantaneamente num telemóvel esperto que está na palma da nossa mão, o futebol agravou um estereótipo que lhe é atribuído de os jogadores falarem pouco em público, dizerem sempre o mesmo quando falam ou não dizerem grande coisa sobre quase todas as coisas. Com os anos, os clubes também criaram os seus canais de televisão, investiram nos seus meios próprios de comunicação e a vontade em controlar a mensagem evoluiu e o futebol ganhou uma espécie de armistício global com a fala: por receio das consequências, os jogadores falam cada vez menos.

Mas, esta sexta-feira, Luis Rubiales falou a bater no peito, retratando-se como vítima de uma “campanha” montada por “falsas feministas”, por uma hipotética missão consertada pela imprensa e até por governantes espanhóis, contra quem o presidente da Real Federação de Futebol Espanhola também disparou, defendendo-se atacando a suposta vítima que afirmou não ter gostado do beijo nos lábios que lhe deu nas celebrações da conquista do Mundial, no domingo. Perante a plateia - e os aplausos - de uma Assembleia Geral Extraordinária da entidade que lidera, o dirigente vendeu o gesto em que agarrou a cara de Jenni Hermoso com duas mãos para, a seguir, a beijar, como “espontâneo, mútuo, eufórico e consentido”.

Não houve, vendeu Rubiales, “um desejo nem posição de domínio” no ato que criticou estar a ser aproveitada para um “assassinato público” da sua pessoa, queixou-se que estão “tentar ‘matar’ o presidente de federação e garantiu, exclamando e repetindo-se: “Não me vou demitir!” O finca-pé do dirigente era cravado diante do primeiro-ministro espanhol, de partidos políticos, do Conselho Superior de Desporto, da FIFA e demais críticos que se estão a aglomerar. E das jogadoras recentemente laureadas como campeãs mundiais, que não demoraram a criar um grupo de WhatsApp para arregimentarem a sua reação.

Pouco tardou, escreve o “Relevo”, até as 23 futebolistas se juntarem nessa ligação internáutica e lá acrescentarem muitas outras. O grupo inclui as convocadas para o Mundial anterior, em 2015, que foram as primeiras, há oito anos, a irem contra a federação espanhola quando redigiram uma carta contra Ignacio Quereda, o antigo selecionador a quem saíam frases da boca, lembra o mesmo site, como “estás gorda” ou “precisas de um macho”. No convénio de WhatsApp estão, também, futebolistas icónicas da história da seleção como Vero Boquete e Natalia Pablos. Haverá muitas outras, sobretudo estão 12 das 15 que há um ano renunciaram a ser convocadas para jogarem por Espanha enquanto não houvesse mudanças na equipa técnica, nos métodos de trabalho e no ambiente nutrido - porque isso já é claro no que saiu cá para fora.

Aos poucos, as futebolistas espanholas, da mais conhecida ou afamada às de perfil mais discreto, usarem as suas redes sociais para se coligarem numa posição: “Até à morte” contra Luis Rubiales. Uma das primeiras, Alexia Putellas, escreveu que “isto é inaceitável, acabou-se, contigo companheira Jenni Hermoso”, intuindo ao peso da iniciativa. À vigente melhor futebolista do planeta, assim condecorada com a Bola de Ouro, juntou-se Aitana Bonmatí, a eleita melhor jogadora do Mundial: “Há limites que não se podem cruzar e isto não vemos tolerar. Estamos contigo, companheira.” A guarda-redes Cata Coll revelou a “pena” que lhe dá “não serem as 23 futebolistas as protagonistas” e que tal “acabo-se”. Irene Paredes, a central que era a capitã da seleção à data da insurreição de “Las 15”, frisou que “toda a gente viu o que se passou”, personalizando também a sua mensagem. “A vítima és tu, estou contigo amiga Jenni Hermoso.”

Isabel Infantes - PA Images

Olga Carmona, Athenea del Castillo, Irene Paredes, Alba Redondo, Ona Batlle e Mariona Caldentey, outras que há dias rejubilavam em Sydney com as suas medalhas de campeãs mundiais, também se posicionaram publicamente contra Luis Rubiales (e a lista vai crescendo).

Uma por todas - há dois dias, a jogadora beijada pelo presidente condenada as “ações inaceitáveis” de Rubiales e reclamara por “medidas exemplares” - e todas por uma, como ‘Mapi’ León e ‘Patri’ Guijarro, defesa e médio do Barcelona que renunciaram à seleção da qual a teoria as guardava como titulares, a irromperam do seu silêncio, seguidas da Nerea Izagirre, basca da Real Sociedad. Todas e vindas de toda a parte, porque Jéssica Silva ou Tatiana Pinto, portuguesas que estiveram no Mundial, publicaram as suas críticas enquanto a Federação Portuguesa de Futebol, candidata a organizar o Mundial masculino de 2030 em conjunto com Espanha e Marrocos, não reage além de uma fonte oficial ouvida pela agência “Lusa”. E de todos, como Iker Casillas, David De Gea, Hector Bellerín ou Borja Iglesias, avançado do Betis que renunciou à seleção enquanto algo não mudar na federação espanhola.

Para breve, noticiou o “Relevo”, virá um comunicado formal redigido com a ajuda do Sindicato de Jogadores de Espanha para confirmar a explosão unificada das futebolistas contra Luis Rubiales. Esse ato coletivo vai remar ao lado do Conselho Nacional do Desporto, órgão tutelado pelo governo do país, que confirmou o pedido de suspensão enviado ao Tribunal Administrativo do Desporto devido à “falha muito grave” de Luis Rubiales. As ações sucedem-se e as peças federativa vão caindo, pois vários presidentes de associações regionais de futebol em Espanha já se demitiram, além de vice-presidentes da RFEF e Rafa del Amo, diretor para o futebol feminino.

Em vésperas da final do Mundial, achou por bem Gianni Infantino falar, em tom de inspiração, para “todas as mulheres” do futebol, atribuindo-lhes um “poder de convenceram os homens a mudarem” e “do que podem, ou não, fazer”. O presidente da FIFA sugeriam que era uma questão de “escolherem as lutas e batalhas certas”. As campeãs mundiais de Espanha já fizeram a sua escolha.

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