Apesar da demissão de Rubiales, processo aberto pela FIFA mantém-se; reunião entre federação e jogadoras na quarta-feira
Europa Press Sports
O futebol espanhol continua virado do avesso, inflamado pela inesperada demissão de Luis Rubiales, o até aqui presidente da Real Federação Espanhola de Futebol, recentemente suspenso pelo FIFA depois do caso do beijo não consentido em Jennifer Hermoso. Reunião entre campeãs do mundo e a federação visa abordar novo rumo da entidade e resolver o imbróglio da próxima convocatória. Verónica Boquete, importante futebolista espanhola, diz que o telemóvel de Hermoso foi hackeado para a prejudicar
A realidade não podia estar mais longe daquele 25 de agosto, em que Luis Rubiales disse, numa assembleia extraordinária da Real Federação Espanhola de Futebol, seis vezes “não vou demitir-me”. Foi então aplaudido por um auditório inteiro onde estavam os selecionadores das equipas masculina e feminina, que acharam razoável um dirigente beijar sem consentimento um funcionário, neste caso a futebolista Jennifer Hermoso. Entretanto, o primeiro, Luis de la Fuente, pediu desculpa e o segundo, Jorge Vilda, foi despedido pelo presidente interino, Pedro Rocha. O incidente aconteceu na final do Campeonato do Mundo, conquistado pelas espanholas.
No domingo, ainda antes de publicar o comunicado a explicar a sua demissão, o jornalista Piers Morgan dava o furo da decisão de Rubiales, à boleia de uma entrevista de duas horas que vai para o ar ainda esta semana. No tweet que publicou o texto a explicar a demissão da federação, Rubiales escreveu: “Defenderei a minha honra. Defenderei a minha inocência. Tenho fé no futuro. Tenho fé na verdade”.
A verdade foi transmitida em direto e vê-se um homem a agarrar a cabeça de uma mulher e a beijá-la, num ato que não foi consentido, segundo a jogadora disse depois. Antes disso, na tribuna dos cartolas, o ex-futebolista celebrou o feito da seleção feminina agarrando os genitais, eufórico, ao lado da rainha e da filha menor. Os dois momentos levaram a reações várias, como de um sindicato que representa as jogadoras, dezenas delas renunciaram no imediato à seleção, assim como se observaram queixas do governo espanhol ao Tribunal Administrativo do Desporto, originando mais um processo contra Rubiales.
Entre as promessas de continuidade do visado e as exigências de demissão da opinião pública e de variadíssimos organismos, como as Nações Unidas, a FIFA suspendeu provisoriamente, por 30 dias, o dirigente espanhol. No dia 30 de agosto, em entrevista ao “L’Équipe”, o presidente da UEFA, Alexsander Ceferin, considerou “inapropriado” o comportamento do responsável máximo da federação espanhola.
De acordo com a agência de notícias EFE, mesmo com a demissão de Luis Rubiales, esse processo e a investigação da entidade que rege o futebol mundial seguirão os trâmites normais. Entretanto, e depois de uma queixa formal de Jennifer Hermoso, o Ministério Público espanhol indiciou Luis Rubiales por agressão sexual e coação.
No tal comunicado, que publicou finalmente uns minutos depois de Piers Morgan anunciar a entrevista e a decisão do entrevistado, que apanhou mais ou menos o mundo do futebol desprevenido, Rubiales escreveu: “Depois da veloz suspensão realidade pela FIFA, mais os procedimentos abertos contra a minha pessoa, é evidente que não poderei voltar ao meu cargo. Insistir em ficar à espera e agarrar-me ao lugar não vai contribuir com nada de positivo, nem para a federação, nem para o futebol espanhol”.
A federação espanhola vive assim uma nova avalanche de acontecimentos e emoções entre jogos da qualificação para o Europeu 2024, contra Geórgia e Chipre. Depois das botas que ficaram esquecidas em Espanha e depois de, segundo o “Relevo”, a federação ter tentado ocultar que recorreu a um voo privado para contar com o equipamento prontamente, seguem-se as ondas de choque da demissão de Rubiales. “É um salve-se quem puder”, disse um funcionário da federação ao “Relevo”.
Segundo a “Marca”, o presidente interino, Pedro Rocha, tem agora duas opções: ou convocar eleições imediatamente e o eleito vencedor fica apenas até setembro, ou esperar até janeiro e convocar eleições.
Javier Tebas, o presidente da Liga com quem Rubiales teve uma relação tensa, foi um dos primeiros a reagir, desgraçadamente desvalorizando o caso: “Se calhar havia coisas mais graves para Rubiales cair, mas um dia ia acontecer”. O dirigente preferiu não entrar demasiado no tema que levou à demissão do presidente da federação: “Não vou falar porque quero ouvir a entrevista de duas horas que concedeu. Passámos de um presidente suspenso a demitido. Vou esperar pelas declarações dele. O dano reputacional que se está a fazer ao futebol espanhol é tremendo”.
A reunião e a linha vermelha
A Cadena Ser noticiou esta manhãque esta terça-feira, dia 12, haverá uma reunião entre a federação e as campeãs do mundo, que renunciaram enquanto a situação de Rubiales não fosse resolvida.
Em cima da mesa estará sobretudo o novo projeto do futebol feminino da federação, as pessoas novas que integram o staff, assim como as mudanças que foram executadas e as que serão levadas a cabo.
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A notícia da Cadena Ser revela que uma das exigências das jogadoras é o afastamento das pessoas que pressionaram Jennifer Hermoso. Aquando do incidente, familiares e amigos da futebolista, assim como a própria, terão sido pressionados pela direção para ser feito um vídeo da jogadora onde desvalorizava o caso, revelando o consentimento do beijo.
Com Jorge Vilda e Luis Rubiales fora da equação, a federação espera contornar essa questão, explicando às atletas que, sendo uma direção interina, não podem despedir pessoas no imediato. A urgência prende-se com o facto de haver nova convocatória na próxima sexta-feira.
Verónica Boquete, futebolista da Fiorentina e já aposentada da seleção espanhola, comentou, numa entrevista ao “Der Spiegel”, que as jogadoras “ganharam uma batalha”, mas que, no entanto, estão a “perder a guerra”. A jogadora foi desfavorável à escolha de Montse Tomé, a adjunta de Jorge Vilda, para sucessora no cargo, assim como referiu que o telefone de Jennifer Hermoso foi hackeado para serem sacados conteúdos que a pudessem comprometer.
Também a postura da equipa de futebol masculina mereceu críticas desta importante futebolista espanhola: “Os jogadores não querem perguntas incómodas. Mas agora são necessárias perguntas incómodas e respostas valentes. A verdade é que à maioria dos jogadores, o tema da igualdade é-lhes igual. O Rubiales não vai beijá-los na boca. Não vai humilhá-los. Eles não têm de lutar, cada dia, por um tratamento igual. É difícil serem corajosos”.