O futebol conseguiu despedir-se a tempo de um dos seus grandes: morreu Sven-Göran Eriksson
Arquivo Expresso
Em janeiro, Sven-Göran Eriksson revelou ao mundo que tinha um cancro no pâncreas. Após quase oito meses em que o futebol se despediu dele e lhe concedeu várias homenagens, o técnico morreu, esta segunda-feira, aos 76 anos. O sueco treinou o Benfica em dois períodos, primeira entre 1982 e 1984, depois de 1989 a 1992. Foi o último homem a guiar os encarnados à final de uma Liga dos Campeões
Puxar a fita atrás é constatar que Sven-Göran Eriksson, quando ‘apareceu’, rasgou com a norma, era um vanguardista no seu tempo: são vários os relatos dos primórdios dos anos 80, quando um sueco de óculos arredondados, calvície já a espreitar e cabelo loiro prensado na direção da nuca chegou ao Benfica com métodos de treino à frente da época, dispensadores de corridas nos pinhais e cargas físicas para fidelizar os jogadores a exercícios com bola. Em 1982, chegava de Gotemburgo a modernidade.
O sueco aterrou então em Lisboa para elevar um grande à grandeza das suas ideias, foi campeão logo à primeira tentativa e por um triz não acrescentou uma proeza ao topo do bolo porque, em pleno antigo Estádio da Luz, atolado de gente até mais não, foi derrotado pelo Anderlecht na segunda mão da final da Taça UEFA. Os elogios ao bisturi nas mãos de Eriksson, preciso a melhorar o Benfica, vem então daí, bem de trás. O sueco iria à sua vida em 1984, cortejado pela Série A que punha o epicentro do futebol em Itália, mas regressaria, puxado pela saudade.
A sina de Sven-Göran no Benfica era um caso especial de incisão sempre que chegava ao clube. Em 1990, na temporada do seu retorno, voltou a levar a equipa a outra final europeia, desta feita a mais desejada, a lenda do sueco insuflada mais um pouco apesar de, mais uma vez, ver o portão da glória a fechar-se mesmo diante dele: em Viena, na decisão da Taça dos Clubes Campeões Europeus, perdeu contra o AC Milan de Fabio Capello e da tríade de holandeses esplendorosos. Foi um deles, Frank Rijkaard, a marcar o único golo do jogo.
Entre as duas estadias no Benfica, o sueco deixou 234 jogos feitos, preenchidos com 159 vitórias, 48 empates e 27 derrotas ao longo de cinco temporadas.
Rui Ochôa/Expresso
O efeito de Eriksson estava dado já desde a primeira passagem por Lisboa, cidade onde sismos e terramotos estão inculcados na sua história e o sueco, à sua maneira, agitou as placas tectónicas da bola para fazer tremer os hábitos de treino no futebol português. Como várias personagens antes e depois dele, houve igualmente um pré e um pós sueco.
Em vida como na morte.
Porque estávamos em janeiro último, e Eriksson afastado há muito dos bancos de suplentes - os cargos mais recentes que ocupou foram nas Filipinas, como selecionador, em 2019, e depois foi diretor-desportivo do Karlstad, até 2023 -, quando o sueco anunciou ao mundo que um cancro se alojara no seu pâncreas. “A doença que tenho é séria. No melhor dos cenários, tenho um ano de vida. No pior, muito menos”, disse, leve e sorridente quando vivalma o condenaria por estar taciturno.
Ao confessar a debilidade, deu oportunidade para o futebol ser diferente, de as pessoas, no fundo, serem diferentes, e, como peças de um dominó, escolherem não esperar pela morte para prestar reverência a alguém que partiu. Tão distinto no seu tempo, Sven-Göran Eriksson constatou como tanta gente optou por ser diferente enquanto o seu tempo findou.
Foi em vida que o sueco recebeu os elogios vários, ouviu palavras ternurentas e levou a sua periclitante saúde a visitar lugares que quiserem levar as eulogias até ele em vez de atrás da sua partida. Eriksson esteve em Lisboa a emocionar-se com a homenagem do Benfica, em pleno Estádio da Luz; foi treinador do Liverpool por um dia, como era o seu sonho, numa partida de gala organizada pelo clube; regressou a Roma, onde comandou os dois clubes da cidade, para presenciar outra homenagem da Lazio, onde foi campeão de Itália.
De lágrima em lágrima, com gestos a arrebatarem-lhe o fôlego, os meses foram sucedendo e Eriksson testemunhando a queda de muralhas que mais vezes deveriam ruir, no futebol e na vida. Antes de partir, o sueco, primeiro estrangeiro a treinar a seleção de Inglaterra (entre 2001 e 2006), encheu a bagagem da estima em que as pessoas o tinham, aquela que sem darmos por isso se vai acumulando num qualquer canto das nossas consciências até que damos por ela quando é tarde demais para a fazer chegar a quem se dirige.