Jogos Olímpicos de Paris 2024

Simone Biles quer, pode e faz. Simone Biles é, outra vez e mais do que nunca, de ouro

Simone Biles quer, pode e faz. Simone Biles é, outra vez e mais do que nunca, de ouro
Naomi Baker/Getty

A equipa de ginástica artística feminina dos EUA venceu o título olímpico, em nova atuação fantástica da maior estrela de Paris. Biles, oito anos depois do Rio, volta a conquistar um ouro nos Jogos, o quinto da sua carreira, dando expressão competitiva a uma viagem pessoal de profundo significado

Nos intervalos da genialidade, também há magia na simplicidade de poder bocejar enquanto se espera para competir. Também há encanto em encostar-se a um tapete e, aparentemente, relaxar. Também é bom, antes de ir fazer o exercícios nas paralelas assimétricas, aproveitar para retocar a maquilhagem.

Simone Biles está aqui porque quer. Não em busca da eternidade desportiva, que lhe pertence desde que, adolescente, foi ao Rio de Janeiro ganhar quatro ouros. Não porque há uma montanha de pressão e focos mediáticos e marketing e interesses publicitários e obrigações a que atender, esse capítulo passou em Tóquio.

Foi custoso. Mas passou. Há três anos, quando se afastou para cuidar de si, Simone Biles foi exposta a um furacão de incompreensão, de ódio, de ignorância. É preciso ser muito ignorante para chamar “looser” à ginasta mais triunfadora da história, 37 medalhas entre Mundiais e Jogos.

Simone Biles está aqui, em Paris, porque quer. Porque, depois de muitas horas de terapia e de procurar as raízes dos seus demónios, está a divertir-se.

Simone Biles pode. Só ela faz estes exercícios, parte logo de dificuldades tão elevadas, roda, salta, intercala gestos, parece ter uma magia que lhe obedece segundo o que queira fazer a dado momento: voar quando é para voar, aterrar quando se pede uma receção perfeita, equilibra-se quando não pode cair.

Simone Biles faz. Faz os quatro aparelhos do all-around — solo, paralelas assimétricas, salto e barra — e faz todos, sendo quase sempre de um nível extraordinário.

Simone faz, volta a fazer. Nos Jogos em que volta depois de Tóquio, volta às medalhas de ouro, liderando os Estados Unidos na ginástica artística por equipas rumo ao triunfo.

Biles tem já oito medalhas olímpicas, cinco de ouro. Iguala Anton Heida como ginasta dos EUA com mais ouros. Tornou-se, aos 27 anos, na ginasta norte-americana menos nova a ser campeão olímpica, cinco anos mais velha do que os 22 de Aly Raisman em 2016.

Numa Arena Bercy a abarrotar, cuja bancada de imprensa estava cheia ainda antes da abertura de portas para o público, o triunfo dos EUA foi o regresso ao ouro depois do interregno de Tóquio. Um momento fundamental na viagem de Simone Biles, mas também uma consagração para ginastas extraordinárias como Jade Carey, que junta este ouro às sete medalhas em Mundiais que tem, Jordan Chiles, a mulher que deve o seu nome a Michael Jordan, Sunisa Lee e Hezly Rivera.

Foi, também, uma final de emoções fortes para outros países, com uma histórica prata para as italianas, celebrada entre muitas lágrimas e saltos. O Brasil, com o bronze, também saiu a festejar, com a certeza de que Rebeca Andrade ainda poderá ser muito protagonista nestes Jogos, talvez até roubando medalhas individuais a Simone Biles.

Foi uma tarde onde vimos as romenas, uma equipa extremamente jovem, com adolescentes de 16, 17 e 18 anos, competirem ao lado de Becky Downie, britânica de 32 anos que é tão craque pelo que faz nas paralelas assimétricas como pela coragem que teve de, um dia, se levantar e denunciar o abuso sistémico que havia dentro da ginástica no Reino Unido, forçando atletas a estarem dias inteiros sem comer ou beber, numa cultura “tóxica” de “opressão”.

Foi uma final que desafiou a concentração. Ao mesmo tempo que Sunisa Lee domina as paralelas com mestria, entusiasmando o público norte-americano, Rebecca Andrade parece quase sambar na trave.

Mas foi, mais que nada e sobretudo, a final de Simone Biles. Porque são, desde logo, os Jogos Olímpicos de Simone Biles.

Os Estados Unidos começaram no salto. Quase sem parecer esforçar-se muito, sem recorrer ao seu Biles II, Simone sacou um 14,9, nota só superada por Andrade. Foi o começo de um fim de tarde de glória yankee.

Nas paralelas, quando aterra, não parece haver uma pessoa no pavilhão que esteja de pé. Até as italianas a cumprimentam. Na barra mostra a força para, depois de um pequeno equívoco, não ceder, continuar.

E chegou o momento final, no solo. Aí, libertando a sua força e potência, a agressividade e a vontade, Biles pareceu um ser a quem haviam tirado umas algemas, liberta, solta, livre.

A viagem que começou com dor em Tóquio, passou pela incompreensão e ignorância, não estará acabada. Mas, aqui, nesta expressão de vontade, nesta expressão de capacidade, a viagem terá feito sentido, ganho uma certa ordem vital.

Não houve festejos individuais. Só coletivo. Um abraço com as colegas, com as extraordinárias ginastas desta equipa norte-americana, um abraço com as adversárias. Talvez a mensagem maior tenha sido passada quando terminou o esquema no solo, mandando um beijinho para as bancadas, um beijinho contra a ignorância e a incompreensão, um beijinho que, simbolicamente, saúda esta desportista extraordinária.

Estes são os Jogos de Simone Biles. Porque, mais do que serem os Jogos em que ela ganha, são os Jogos em que ela vive, compete e brilha sob os seus próprios termos. Porque quer e pode. E faz, banhando-se no ouro que nunca deixou de lhe pertencer.

LIONEL BONAVENTURE/Getty

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