Estava um brutal calor húmido no centro de Paris. O tempo tropical castigava quem estava na Ponte Alexandre III, na base da Torre Eiffel, monumento que, neste Jogos, é uma espécie de grande olho sempre a presidir às competições. Se os espetadores ou jornalistas suavam, suavam muito, imagine-se a dor no corpo de quem terminava de nadar 1,5 quilómetros, pedalar 40 quilómetros e correr outros 10.
Era o caso de Vasco Vilaça e Ricardo Batista. Os dois portugueses vinham embalados, de trás para a frente, compensando uma natação distante dos melhores, particularmente graças ao grande esforço de Batista na bicicleta. No fim da primeira volta de corrida, Batista era 10.º, Vilaça era 16.º.
Mas, um a um, ambos foram ultrapassando adversários. E, nos metros finais, já na ponte, no meio da Paris que se esforça para engalanar-se para os Jogos, os dois concluíram quase lado a lado a prova de triatlo. Com o ouro para o britânico Alex Yee, a prata para o neo-zelandês Hayden Wilde e o bronze para o francês Leo Bergere, a dupla nacional apercebeu-se que a discussão pelo quinto lugar “seria entre” eles, comenta um esgotado Ricardo Batista após a conclusão do esforço. Houve, até, “uma certa desaceleração”, diz o torreense Batista, um pequeno jogo de póquer para ver “quem puxaria mais nos últimos metros”.
Seria Vilaça o primeiro dos dois a cruzar a meta. Caiu, sem mais nada para dar, no chão, no chão de Paris. Segundos depois, Ricardo Batista abraçou-o, unindo-se ao compatriota num prolongado abraço.
“Foi muito bonito. Sabíamos que, ganhasse quem ganhasse o sprint, Portugal teria um quinto e um sexto. O Ricardo é um dos meus melhores amigos, uma das pessoas em quem mais confio. Tivemos um momento muito bonito”, explica Vilaça, o homem que igualou o melhor resultado de sempre do triatlo olímpico masculino português, o quinto de João Pereira no Rio de Janeiro. O melhor registo, em termos absolutos, continua a ser a prata de Vanessa Fernandes em Pequim 2008.
Ricardo Batista sublinha, também, que os dois são “muito amigos” e que foi “um extra” andarem boa parte do percurso juntos. “É muito melhor acabar junto de um colega do que de um inimigo”, garante o triatleta de 23 anos, um ano mais novo que Vilaça.
No entanto, para Vasco, a beleza do momento só foi entendida um pouco depois. “Não estava muito consciente quando terminei, não senti muito”, explica aos jornalistas presentes na zona mista. A razão? Ao cortar a meta, a sua temperatura corporal subiu em demasia, atingindo os 40 graus. Foi preciso ajuda médica para recuperar, mas encontra-se “saudável”, assegura.
Vilaça garante que “foi além dos limites”. A esperança, diz, residiu, “até ao último momento”, em obter uma medalha. O francês Bergere, bronze, ficou a apenas 13 segundos do português. Vasco deu “tudo o que tinha” para o apanhar, porque “o grande objetivo era ir à medalha”, mas esse pódio terá de esperar.
“É a minha primeira experiência olímpica, há muito para aprender. Acredito que, se dentro de quatro anos voltar a uns Jogos, posso fazer ainda melhor. O quinto é espetacular, acho que o João Pereira já o conseguira fazer. Estou no mesmo lugar que um dos melhores portugueses de sempre no triatlo”, compara o lisboeta.
O orgulho estampado na face de Ricardo Batista é evidente. A certa altura da transmissão televisiva, na parte da natação, perdeu-se a pista ao português, algo que, naturalmente, ele só soube depois. “Deve ter sido um susto para todos. Eu sempre estive lá, no mesmo sítio, a nadar”, graceja.
Os voluntários multiplicam-se a tentar arrefecer os atletas que passam pela zona mista. Há quem lhes despeje garrafas de água pelo corpo, quem aposte em sombrinhas, talvez recicladas da cerimónia de abertura, então para proteger da chuva, agora para tapar o sol. Há, também, triatletas que utilizam aqueles coletes gelados para arrefecer.
Neste clima tropical, Ricardo transpira de felicidade. “É excecional. Não poderia pedir melhor para a estreia olímpica, estou sem palavras. Tinha expectativas ambiciosas para esta prova. Conseguir concretizá-las foi a cereja no topo do bolo, estou bastante contente, não sei bem o que dizer, ainda não processei a informação”, confessa.
Depois da exaustão de Vilaça na meta, o mais velho do duo foi arrefecer-se, tratando de recompor-se. Quando chega à zona mista já parece outro, com fôlego e impressionante lucidez para falar. Diz que, depois de não estar plenamente consciente no momento do abraço com o amigo Ricardo, já teve “um momento com ele”, podendo partilhar esta “alegria enorme”.
À boleia do bom resultado que Maria Tomé obteve, abrem-se novas expetativas para o resultado da estafeta mista, que se correrá a 5 de agosto. Aí, Vasco Vilaça, Ricardo Batista, Maria Tomé e Melanie Santos competirão contra outras 15 equipas, fazendo cada triatleta 300 metros de natação, 7 quilómetros de ciclismo e 1,8 quilómetros de corrida.
Ricardo Batista acredita que há “bons indicadores” para Portugal, que vai “lutar até ao fim”. Vasco Vilaça, muito confortável no discurso, expressa ambição. “Se obtivéssemos um diploma seria incrível. Três diplomas [no triatlo] seria, para os poucos triatletas que temos em Portugal, fantástico. A Maria acredita numa medalha? Se vamos ao diploma, é porque acreditamos numa medalha. Temos de acreditar no mais alto e ver o que vai acontecer. Vamos dar tudo para estar na frente”.
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