O triatlo espera que a “ídola” Vanessa Fernandes tenha “voltado a ficar orgulhosa”. E deixa uma promessa: “Em 2028 vamos continuar a sonhar”
Da esquerda para a direita: Vasco Vilaça, Maria Tomé, Ricardo Batista e Melanie Santos
HUGO DELGADO/Lusa
Depois do 5.º lugar na estafeta mista, o triatlo sai de Paris com três diplomas conquistados, o que é “excelente”, dizem os protagonistas do feito. A jovem equipa, que voltou a falar do nome maior da modalidade em Portugal, olha já para Los Angeles, onde quer obter “um melhor resultado”
“Ainda não são 10 da manhã e já temos o dia feito”. E bem feito, Maria. O comentário descontraído vem de Maria Tomé, a última triatleta portuguesa a competir na estafeta mista do triatlo, a mulher que cruzou a meta na ponte Alexandre III em celebração pelo 5.º lugar obtido.
Na estreia de Portugal numa prova trazida para os Jogos Olímpicos em Tóquio 2020, a equipa composta por Ricardo Batista, o primeiro a nadar, pedalar e correr, Melanie Santos, a segunda, Vasco Vilaça, o terceiro, e Maria Tomé obteve novo diploma para o triatlo. A modalidade que desafia o quão completo um atleta é sai de Paris 2024 com três lugares entre os oito primeiros, juntando-se o 5.º de Vilaça e o 6.º de Batista na prova individual masculina a este diploma. Houve, ainda, o excelente 11.º de Maria Tomé na competição feminina.
Pouco depois de concluído o esforço, a equipa chega à zona mista ainda em clima de celebração. Há sorrisos e abraços, a cumplicidade é evidente. Ricardo, Melanie e Maria falam ao mesmo tempo à imprensa portuguesa, enquanto Vasco vai dando demoradas entrevistas à imprensa internacional. “Ele é a estrelinha aqui”, ri-se a sempre leve Maria Tomé.
Numa competição que parece um longo sprint, com cada elemento da estafeta a ir nos limites durante os curtos percursos de natação (300 metros), bicicleta (sete quilómetros) e corrida (1,8 quilómetros), numa prova de uma intensidade extenuante, a equipa portuguesa surge depois de terminar num ambiente contrastante com esta brutalidade. Estão soltos, brincam uns com os outros, protagonizam animados diálogos com os triatletas brasileiros que vão passando.
O balanço essencial é dado por Ricardo Batista, o primeiro a competir: “Foi bastante bom, não podíamos pedir melhor para Portugal. Um diploma é sempre excelente”, indica o natural de Torres Novas, numa avaliação semelhante à de Melanie Santos, que destaca “o grande dia” de todos, numa estreia “incrível” desta equipa olímpica.
O momento em que Maria Tomé corta a meta a festejar
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Ainda assim, há um segredo que todos confessam. “Sonhávamos com a medalha”, garante Vasco Vilaça, o mais solicitado da equipa, procurado pela imprensa internacional e com postura de figura, de craque, confiante e seguro.
A competir em terceiro dos quatro, Vilaça fez uma prova incrível, partindo de 6.º e chegando a colocar Portugal na 3.ª posição. Aí, ao ver de fora, Batista, que foi logo o primeiro e depois ficou cerca de uma hora “nervoso” a "torcer pelos companheiros", diz que “acreditava numa medalha”.
Não obstante a grande prestação, Vasco queria ter “conseguido ganhar mais espaço” para que Maria Tomé “saísse com mais vantagem face à atleta norte-americana”. Vilaça refere-se a Taylor Knibb, que todos sabiam ser especialmente forte no ciclismo.
Com a prova muito equilibrada quando a última de cada país entrou em ação, Maria Tomé começou por ter de enfrentar o maior adversário dos triatletas: o Sena. “Estava muita corrente, era muito difícil nadar”, aponta Melanie Santos.
Aos 24 anos e na estreia em Jogos Olímpicos, o triatleta português ficou no 5.º lugar.
Maria Tomé sabia da “grande responsabilidade” que tinha ao ser a última. A ordem dos quatro triatletas é decidida pela equipa técnica, em conjunto com os próprios participantes, que também dão as suas opiniões. Decidiu-se que Maria seria a última para “aproveitar a excelente corrida que tem”, explica Vilaça. Se Portugal estivesse na luta pelas medalhas, acreditava-se que um forcing final da jovem pudesse dar uma alegria ainda maior.
Só que, à saída da natação, Tomé ficou sozinha na 4.ª posição, tendo de enfrentar a parte da bicicleta sem estar em qualquer grupo, a relativa distância do trio da frente e sem muita margem para quem vinha atrás. Foi “muito difícil”, explica a sempre sorridente lisboeta, que acabaria por pagar a fatura desse esforço, chegando vazia de forças à corrida.
Aí, vê-la nas ruas perto do Grand Palais era assistir a uma mulher baixinha de esgar de esforço, deitando água por cima do corpo, lutando contra quem vinha de atrás. Pareceu ser tudo na base da crença, da raça, da força de vontade.
Foi “maravilhoso” ter segurado o 5.º lugar, diz uma triatleta que, por ter sido a última a competir, estava ainda ofegante, contrastando com o ar já limpo de Ricardo Batista.
Contas feitas, Portugal ficou a apenas 21 segundos do 4.º lugar, ocupado pela França. Mais longe ficou a discussão do pódio, a brutal luta pelo ouro, com Alemanha, Grã Bretanha e EUA numa disputa épica pelo triunfo. Seriam os alemães a ganhar. Portugal ficou a 1,28 minutos de uma medalha.
Vasco Vilaça, falando quase como capitão de equipa, diz que é “muito bonito” que cada um dos triatletas que Portugal levou a Paris 2024 saia de França com um diploma. “Deixa-me muito orgulhoso do nosso trabalho”, confessa.
Entre a felicidade coletiva, todos olham, já, para Los Angeles. Maria Tomé e Ricardo Batista têm 23 anos, Vilaça tem 24 e Melanie Santos é a mais velha, com 29. Quando Batista diz que são “todos muito jovens”, Melanie ri-se, negando-o, como uma irmã mais velha apreciando a brincadeira dos mais novos.
Mas apontar aos próximos Jogos Olímpicos parece mesmo ser uma ideia coletiva. “Em 2028 vamos continuar a sonhar”, assegura Vilaça. “Saímos daqui a pensar num melhor resultado em Los Angeles”, completa Batista.
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Os últimos anos têm sido, para o triatlo português, de recuperação. Depois da era de Vanessa Fernandes, há uma nova geração que já obteve resultados internacionais de topo e que, em Paris, confirmou essas excelentes indicações.
Vasco Vilaça é o ponta-de-lança deste ressurgimento. É um dos membros da comitiva portuguesa em Paris mais à vontade com os jornalistas, brincando, rindo-se, falando com lucidez. Acredita que estes três diplomas mostram “o potencial que o triatlo tem”, não só “no presente”, mas também “para o futuro”.
Em 2008, em Pequim, Vanessa Fernandes teve o ponto mais alto de uma carreira histórica quando ganhou a prata. Vasco Vilaça, espera que a melhor triatleta nacional de sempre tenha “voltado a ficar orgulhosa” com esta prestação, como já sucedera nas competições individuais.
“Ela é a nossa ídola. Sem ela não estaríamos cá. Depois da prova [individual], vi que ela deixou palavras de agradcimento. Isso mexe connosco, é a nossa ídola. Não estava à espera que ela se comovesse connosco, é muito bonito sentir esse apoio da parte dela”, explica Vilaça.
Outra das frases marcantes das prestações individuais foi de autoria de Maria Tomé, que desejou estar a “inspirar muitas mulheres”. Agora, a lisboeta, que tem na pele uma ferida recente, provavelmente feita na parte da natação, deixa outra ideia simbólica: “Espero que este equipa tenha conseguido inspirar muita gente a praticar desporto. O desporto pode mudar o mundo e isso é super importante”.
Passam poucos minutos das 10 da manhã e Maria, juntamente com Vasco, Ricardo e Melanie, já tem o dia feito. Eles já ajudaram a mudar a história do triatlo português. Mas, por muito que terminem Paris 2024 com um sorriso, é um sorriso com um olho posto do outro lado do Atlântico. Para eles, isto parece ser o princípio de algo. Que a continuação olímpica surja, ainda melhor, em Los Angeles.