Morreu Kelvin Kiptum, o recordista mundial da maratona que começou a competir em Lisboa. Tinha 24 anos
Michael Reaves/Getty
Nascido no Quénia, não competia desde outubro do ano passado, precisamente quando fixou a melhor marca de sempre, em Chicago, quebrando o tempo da lenda Eliud Kipchoge, sem compatriota. A primeira prova internacional de Kelvin Kiptum, que morreu num acidente de carro, foi a Meia Maratona de Lisboa, em 2019
Quando se aproximava da meta, em Chicago, tinha os braços finos que nem esparguete, abanou-os sem critério, tão exausto quanto descontroladamente feliz pelo que estava prestes de atingir quando rasgasse com o corpo a fita segura por duas pessoas na meta. Fartara-se de correr para roubar 35 segundos à melhor marca mundial e só faltava um pedaço de papel para o confirmar.
Em outubro último, quando virou o novo recordista mundial da maratona, Kelvin Kiptum era um poço largo em alegria num corpo seco de músculos e magro nos membros, como são os de todos os humanos que se dedicam a correr 42 quilómetros e 195 metros o mais rápido que conseguirem. Nascido no Quénia, ele só experimentara competir na distância há um ano, tempo suficiente para correr a maratona em duas horas e 35 segundos.
O atletismo tinha uma nova estrela vinda da nação onde percorrer as longas distâncias é uma aptidão injetada desde cedo no sangue: o recorde que Kelvin Kiptum registou em Chicago suplantou a marca de Eliud Kipchoge, seu lendário compatriota que se embrulhou duas vezes na bandeira do Quénia em Jogos Olímpicos, após ganhar medalhas de ouro. Aos 23 anos, também ele virou lenda.
Na noite de domingo, com mais uma viagem à volta do sol completa, Kelvin Kiptum morreu no Val de Rift, região montanhosa do seu país, em estrada e em altitude, onde treinava na perseguição do oásis temporal que tem iludido os maratonistas masculinos em anos recentes. Foi um acidente de carro a levar Kiptum e o treinador, Milcah Chemos, que lá estavam a arregimentar o corpo do atleta para esta época tentar correr uma maratona abaixo das duas horas.
O queniano apenas se estreou na distância em dezembro de 2022, tão recentemente que só lhe auguravam recordes no caminho. A sua estreia internacional liga-o, para sempre, a Lisboa, onde venceu a Meia Maratona, em 2019, demorando 59 minutos e 54 segundos.
Kelvin Kiptum não competia desde Chicago e a vida, por vezes, tem um lápis irónico a desenhar alegrias e tristezas, é ironicamente coincidente que a último alcatrão percorrido pelo recordista mundial da maratona que se foi deste mundo demasiado cedo tenha sido o da prova onde deixou escrita tal proeza. “Estamos tristes e chocados com a notícia. Era um atleta incrível que deixa um legado incrível”, lamentou a World Athletics, que o elegera como atleta do ano em 2023.