Madrugada no hotel de estágio do FC Porto. Num quarto, Samu e Mora continuam a ser obrigados a assistir ao jogo contra o Benfica, numa sessão de visionamento em loop. Noutro, Nehuén Pérez tem de ler, para em seguida copiar 1000 vezes, o significado de “contenção”. Gonçalo Borges conduz a bola à volta do edifício, tomando quase sempre a decisão errada quanto ao caminho a percorrer. Um grupo de jogadores sobe e desce infinitamente as escadas, num tipo de punição eterna, enquanto Marcano dá uma palestra imaginária sobre todas as aceções possíveis da expressão “glórias passadas”.
Qualquer semelhança entre o parágrafo anterior e a realidade é pura coincidência. Bem, exceto uma parte: efetivamente, o plantel do FC Porto passou a noite em estágio. Depois da histórica goleada sofrida contra o Benfica, André Villas-Boas decidiu que a equipa deveria permanecer junta, meio em retiro, meio em provação, tentando alcançar a pureza de alma através da dor, do sofrimento, num ritual em busca do “somos Porto” perdido, um castigo coletivo, como quando se davam faltas disciplinares coletivas na escola.
A reação dos dragões à derrota foi própria de quem não entende propriamente a dimensão do murro que acabou de levar. Como um pugilista desorientado, ferido, o FC Porto dividiu-se entre o espanto e a raiva, numa sucessão de sinais de inconsequente impotência: Villas-Boas a ir ao balneário ao intervalo ralhar com os jogadores; o público a aplaudir uma falta dura feita por Martim Fernandes, como se exigisse um mínimo de reação, de nervo; Anselmi, o palavroso Martín, tão amigo de usar da palavra, absolutamente incapaz de se expressar na entrevista rápida, como um homem que sai de casa e vê um dinossauro a andar de bicicleta a perseguir um unicórnio.
Talvez o desnorte seja justificado. Vamos a um breve resumo dos últimos meses do 2025 do FC Porto. Treinadores que orientaram partidas da equipa na I Liga: três. Vitórias da equipa em partidas em casa: uma. Vitórias em 2025: cinco. Derrotas: sete. Taça da Liga: eliminado pelo Sporting. Liga Europa: eliminado pela Roma. Campeonato: entrou no ano em igualdade pontual com a liderança, está agora a 12 pontos da liderança.
Além da fria e triste constatação dos resultados, talvez o que seja mais preocupante seja a sensação de falta de energia, de indiferença. Eis uma equipa sem alma, que parece não encontrar o propósito da vida tal como o adepto comum não encontra o propósito de ter Eustáquio como central no meio da linha defensiva, forçando Nehuén Pérez — custo total da aquisição: €17,28 milhões — e Marcano — cumpre 38 anos em junho e esteve 18 meses lesionado — a atuarem constamente junto das laterais.
O pior é a ideia de clube no vazio. Vazio de liderança em campo, com escassas referências, vazio de liderança no banco, com um técnico com vontade de revolucionar e olhar para o futuro, mas com dificuldades em vencer no presente, um palavroso que fica sem vontade de falar perante uma goleada, um homem que fala em expected goals, mas que fica chateado quando lhe falam em estatísticas. Vazio de talento, vazio de qualidade, vazio de regularidade, até vazio de objetivos.
A tarefa de André Villas-Boas seria sempre hercúlea. Está quase a fazer um ano de um momento extraordinário (no sentido de absolutamente fora do comum), quando os sócios do FC Porto souberam separar legado e gratidão de futuro e projeto. Elegeram AVB e, horas depois, renderam tributo a Pinto da Costa. O começo do novo líder foi promissor, não vamos esconder a impressão que tivemos no final do defeso — ainda que já então considerando que “as maiores tempestades ainda estarão para vir e, aí, tudo será mais difícil, mais cinzento” — , mas os últimos meses foram uma sucessão de erros.
É importante, também, parar para pensar. Nestes dias pré-clássico, a “Sport TV” foi passando imagens de duelos anteriores. Há pouco mais de um ano, o FC Porto goleou o Benfica por 5-0. Aquele onze tinha Pepe e Wendell, Nico González e Francisco Conceição, Galeno e Evanilson. Esta é a realidade: o FC Porto sofreu, recentemente, uma brutal fuga de talento. Há muito menos qualidade individual no plantel do que existia há bem pouco tempo. Haverá vários culpados nisso, da situação financeira a um mercado que não foi assim tão bom como chegou a parecer, mas a diminuição do talento é um facto inegável.
Haver menos talento também contribui para o vazio. A ideia de orfandade, inevitável após mais de quatro décadas nas quais todos sabiam para onde olhar, também contribui para o vazio. Ter o treinador com mais jogos realizados na história do clube a partilhar frases de Pedro Chagas Freitas minutos depois de uma derrota histórica também contribuiu para a confusão (um segundo de silêncio pela singularidade do futebol nacional, que exporta um técnico para o gigante Milan, mas que o tem a usar as redes sociais para mandar indiretas para o seu ex-clube).
Para tentar preencher o vazio, Villas-Boas escolheu um candidato a revolucionário quando se pedia um ministro da estabilidade. O FC Porto, que tem dificuldades para caminhar, tem um treinador que pede que a equipa salte, dance, faça coreografias, que seja um conjunto de ginástica artística quando os futebolistas nem sabem bem quem são.
Os números da era Anselmi mostram um FC Porto diminuído como poucas vezes nas derradeiras décadas. Os azuis e brancos não sofriam quatro golos do Benfica em casa desde 1943. Não sofriam, sequer, três desde 1993. Se o clássico era a noite para Martín firmar o casamento com o público, então o veredicto da partida foi um divórcio evidente.
Mas é importante não culpar AVB de tudo. Assumindo que não vencerão esta liga, os dragões só venceram um dos últimos cinco campeonatos. E isso não é responsabilidade de Villas-Boas nem de Anselmi, que também não são culpados pela crise financeira ou por ligações obscuras a pessoas que se encontram em julgamento.
A crise do FC Porto começou suave. Começou com problemas de fair-play financeiro, começou pela dependência face a um treinador, com tudo o que de tóxico há quando uma instituição tão grande depende somente de um técnico. A crise do FC Porto começou suave, até que se tornou brutal, profunda, inscrita nas camisolas, contaminando as bancadas, o estádio, o ambiente.
Pensava-se que este poderia ser o ano zero do FC Porto. Mas, para ser o ano zero, era preciso que não se levassem feridas e doenças para o futuro, que não se transportasse uma dívida, que não se carregasse uma mochila de problemas. Este não foi o ano zero do FC Porto, foi o ano negativo.
Irrompe a manhã no hotel de estágio do FC Porto. Quando o sono ameaçava interromper os castigos, Jorge Costa aparecia junto dos jogadores, gritando e evitando que a punição acabasse. Gonçalo Borges perdeu-se enquanto conduzia a bola. Eustáquio continua metido entre Marcano e Nehuén. Anselmi não recuperou as palavras.
*Qualquer semelhança entre o parágrafo anterior e a realidade é pura coincidência. Depois da noite de castigo, o plantel voltou ao trabalho às 10h30 da manhã.
O que se passou
Antes da vitória no clássico, o Benfica bateu o Farense. A única contrariedade recente para as águias foi nova lesão de Renato Sanches. Já o Sporting, aproveitando o grande momento de Gyökeres que a Lídia Paralta Gomes explica, superou o Rio Ave na primeira mão das meias-finais da Taça.
Foi semana de guerra no desporto nacional. A FPF pediu uma reunião urgente com o governo, na sequência do desacordo entre Pedro Proença e Fernando Gomes, encontro que sucederá quinta-feira. Villas-Boas falou em “paz podre” e Proença falhou a eleição para o Comité Executivo da UEFA. “O futebol português saiu derrotado”, considerou o líder da FPF.
Alexander Ovechkin, o putinista que une Moscovo e Washington, é recordista na NHL, a liga norte-americana de hóquei no gelo, a modalidade que Trump quis usar como arma política. O Francisco Martins conta-lhe quem é Ovechkin. Já Daria Kasatkina, que nasceu na Rússia, não voltou ao país depois de revelar revelar ser homossexual e criticar a invasão da Ucrânia. Agora vai jogar pela Austrália, como relata a Lídia Paralta Gomes.
O fim de uma erra: Thomas Müller, definido pelo Diogo Pombo como o tipo normal que é um anti-jogador da bola, vai deixar o Bayern Munique.
Sem Kika Nazareth e Jéssica Silva, a seleção feminina perdeu contra as talentosas espanholas.
Zona mista
Vamos dar este passo pois, neste momento, vemos uma disputa dos campeonatos por empresas, por grupos investidores e, portanto, corremos o risco de ficarmos muito dependentes desse tipo de iniciativas e investimentos que podem acontecer.
Rui Alves, o mais longevo presidente de clube de futebol de Portugal, falou para defender a entrada de capital da Singapura no Nacional, que tem o engenheiro como líder desde 1994, como exceção de um ano de interrupção. O grupo pode não ter o melhor dos passados, como conta o Diogo Pombo, mas confirma a tendência generalizada de injeção de dinheiro estrangeiro nos emblemas nacionais, passando, muito deles, a fazer parte de grupos de propriedade múltipla. É preciso, também, que as lideranças do desporto em Portugal se adaptem — e adaptem a legislação — para esta realidade que, sendo relativamente nova, já afeta muitos clubes da I e II Ligas.
O que aí vem
Segunda-feira, 7
⚽ Por razões difíceis de entender para o comum dos mortais, um campeonato que não tem qualquer equipa em prova na Europa tem três jogos a uma segunda-feira: Farense-Casa Pia (18h45, Sport TV2), Rio Ave-Boavista (20h15, Sport TV3) e Sporting-SC Braga (20h45, Sport TV1)
⚽ Duelo de alto nível na Serie A: Bolonha-Nápoles (19h45, Sport TV4). Na Turquia, Rafa Silva, João Mário ou Gedson Fernandes no Kasimpasa-Besiktas (18h00, Sport TV6)
🎾 Durante a semana, siga o ATP 1000 de Monte Carlo, um dos mais icónicos torneios do circuito (10h00, Sport TV3)
Terça-feira, 8
⚽ A seleção feminina fecha a dupla jornada contra as campeãs do mundo: Espanha-Portugal (18h00, RTP1)
⚽ Também na Liga das Nações feminina, e no grupo de Portugal, Bélgica-Inglaterra (19h30, Sport TV4)
⚽ Regressa a Liga dos Campeões. Na primeira mão dos quartos de final temos o Arsenal-Real Madrid (20h00, Sport TV5) e o Bayern-Inter (20h00, DAZN1)
🚴 A Volta ao País Basco, a popular Itzulia, terá a segunda etapa, a primeira em linha. Numa corrida com um perfil tradicionalmente acidentado, João Almeida é candidato à geral (Nelson Oliveira também alinha)
🏀 Nas noites da NBA, Miami Heat-Philadelphia 76ers (00h30, Sport TV3)
🎾 ATP 1000 de Monte Carlo (10h00, Sport TV3)
Quarta-feira, 9
⚽ Dia histórico para o futebol nacional, com uma equipa do quarto escalão a jogar pela primeira vez nas meias-finais da Taça de Portugal. Pena que seja a duas mãos e a um dia de semana: Tirsense-Benfica (20h45, RTP1/Sport TV1)
⚽ Na Champions, PSG-Villa (20h00, Sport TV5) e Barcelona-Borussia Dortmund (20h00, DAZN1)
🏀 Os Boston Celtis de Neemias Queta contra os New York Knicks (00h30, Sport TV3)
🎾 ATP 1000 de Monte Carlo (10h00, Sport TV3)
🚴 Volta ao País Basco (14h30, Eurosport 1). A partir das 14h45, na Eurosport 2, a Scheldeprijs, uma das muitas clássicas belgas deste momento da temporada
🤾 Portugal luta por um lugar no europeu feminino de andebol: Portugal-Montenegro (19h00, RTP2)
🏀 Há clássico na Taça Hugo dos Santos: FC Porto-Sporting (20h30, Porto Canal)
Quinta-feira, 10
⚽ Muitas competições europeias, com destaque para o duelo entre o Lyon de Paulo Fonseca e o United de Amorim na Liga Europa (20h00, Sport TV5). Ainda, na Liga Europa, Tottenham-Eintracht Frankfurt (20h00, DAZN1) ou Bodø/Glimt-Lazio (17h45, DAZN2). Na Liga Conferência, o grande favorito Chelsea visita o Legia o português Gonçalo Feio (17h45, DAZN1)
🎾 ATP 1000 de Monte Carlo (10h00, Sport TV2)
🚴 Volta ao País Basco (14h30, Eurosport 1)
🏀 Na Euroliga, Partizan-Real Madrid (19h30, Sport TV2)
Sexta-feira, 11
⚽ Arranca a 29.ª jornada da I Liga, com um Gil Vicente-Vitória SC (20h15, Sport TV1)
⚽ Lá fora, Valencia-Sevilla (20h00, DAZN1) e o Milan de Conceição no terreno da Udinese (19h45, Sport TV2)
🎾 ATP 1000 de Monte Carlo (10h00, Sport TV2)
🚴 Volta ao País Basco (14h30, Eurosport 1)
🏎️🏁 Fórmula 1, GP Bahrain, treinos livres (12h15, DAZN5)
🏍️ No Moto GP, treinos livres do GP Catar (18h00, Sport TV4)
Sábado, 12
⚽ Muita I Liga: Boavista-Nacional (15h30, Sport TV2), Famalicão-Estoril (15h30, Sport TV1), Santa Clara-Sporting (18h00, Sport TV2) e Casa Pia-FC Porto (20h30, Sport TV1)
⚽ Na luta pela subida na II Liga, há importantes Paços-Tondela (11h00, Sport TV2) e Chaves-Portimonense (14h00, Sport TV+)
⚽ Na Premier League, destaque para o City contra o Palace (12h30, DAZN1) e o Forest de Nuno contra o Leicester (15h00, DAZN1). Na Bundesliga, há Der Klassiker entre Bayern e Dortmund (17h30, DAZN1) e, na La Liga, Leganés-Barcelona (20h00, DAZN1)
🏎️🏁 Fórmula 1, GP Bahrain, qualificação (16h45, DAZN5)
🎾 ATP 1000 de Monte Carlo, já nas meias-finais (12h30, Sport TV7)
🏁 GP Catar, corrida sprint (18h00, Sport TV4)
🚴 O Inferno do Norte, um dos monumentos do ciclismo, a clássica que terá Pogačar em estreia. Paris-Roubaix (13h30, Eurosport1)
Domingo, 13
⚽ Na I Liga, Estrela-Farense (15h30, Sport TV1), Benfica-Arouca (18h00, BTV), SC Braga-AFS (18h00, Sport TV1) e Moreirense-Rio Ave (20h30, Sport TV1)
⚽ Dérbi da capital em Itália entre Lazio e Roma (19h45, Sport TV3). O Fenerbahçe de Mourinho contra o Sivasspor (17h00, Sport TV3), o Real Madrid no terreno do Alaves (DAZN2, 15h15) e, na Premier League, o Wolves de Vítor Pereira contra o Tottenham (14h00, DAZN4) e o United de Amorim em Newcastle (16h30, DAZN1)
🏎️🏁 Fórmula 1, GP Bahrain (16h00, DAZN5)
🏁GP Catar, corrida principal (18h00, Sport TV4)
🎾 A final do ATP 1000 de Monte Carlo (14h00, Sport TV6)
Hoje deu-nos para isto
O registo cabe num tweet, como se a brutalidade do feito fosse inversamente proporcional ao pouco que tardamos em escrevê-lo: Tadej Pogačar é o vigente campeão da Strade Bianche, da Volta à Flandres, da Liège-Bastogne-Liège, do Giro, do Tour, da Lombardia e do Mundial. Um só homem detém o cetro de duas das três grandes voltas e de três dos cinco monumentos, vestindo ainda a camisola arco-íris.
Domingo, na Ronde Van Vlaanderen, na mítica clássica em que o pavê é empinado, em que há muros onde se escreve a história do ciclismo, Pogi chegou aos oito triunfos em monumentos. Só Sean Kelly, Coppi, Girardengo, De Vlaeminck e Merckx venceram mais. Tadej, competindo no presente, luta contra a história, bate-se por sabermos em que patamar do Olimpo é que estará quando tudo isto terminar.
No Oude Kwaremont, uma ascensão empedrada dura, duríssima, infinita, Pogačar torturou Mathieu Van der Poel. Eles são os dois super-heróis mais super-heróis na era dos super-heróis do ciclismo, dois monstros. Tadej, o impossível em cima de duas rodas, Mathieu, a epopeia feita ciclista. Pogi acelerou, acelerou, deixou o neerlandês em desconforto, fê-lo sofrer, fê-lo sofrer até Van der Poel içar a bandeira branca, render-se, uma imagem raras vezes vistas.
A dimensão de um triunfo mede-se, em boa parte, pela dimensão do derrotado. Superar assim Van der Poel, derrotá-lo numa disputa até à exaustão, fazê-lo ir ao inferno e não de lá sair, só está ao alcance de quem pedala pela eternidade.
Quantos desportistas de grandeza maior há na atualidade? Quantos craques é que prestigiam tanto a respetiva modalidade?
O mais impressionante não é o que Pogačar acabou de fazer. É que para ele há sempre um horizonte que se segue, um cume novo a perseguir, é sempre possível voar mais perto do sol, ele não teme ser Ícaro. Depois de bisar na Flandres, no próximo sábado vem a estreia no Paris-Roubaix, o Inferno do Norte, a rainha do pavê, uma corrida que, por pura lógica que a física impõe, deveria estar inacessível para um trepador, para um homem de 66 quilos. Mas Pogi, a lenda do tufo de cabelo a sair por entre os buracos do capacete, tem sempre um pouco mais de impossível a perseguir.
Tenha uma boa semana de quartos de final de competições europeias, infelizmente já em portugueses. Obrigado por nos acompanhar aí desse lado, lendo-nos no site da Tribuna Expresso, onde poderá seguir a atualidade desportiva e as nossas entrevistas, perfis e análises. Siga-nos também no Facebook,Instagram e no Twitter.
E escute também o podcast “No Princípio Era a Bola”, com a análise aos jogos da semana cá dentro e fora de portas, como sempre com Tomás da Cunha e Rui Malheiro.
Tem alguma questão? Envie um email ao jornalista: tribuna@expresso.impresa.pt