Opinião

Hoje há menos árbitros do que em 1999 e alguns a dirigirem seis e sete jogos por fim de semana. Porquê? (por Duarte Gomes)

Hoje há menos árbitros do que em 1999 e alguns a dirigirem seis e sete jogos por fim de semana. Porquê? (por Duarte Gomes)

Duarte Gomes

Ex-árbitro de futebol

Portugal tem cerca de 4.780 árbitros de futebol no ativo, segundo a última contagem (2018). São menos que há 20 anos. É normal que exista o estigma — o tal de que em cada árbitro há um ladrão —, escreve Duarte Gomes, mas há formas de contornar esse preconceito. Uma delas é através da intensificação de ações de sensibilização junto de escolas e clubes com escalões de formação. É importante mostrar às crianças que a arbitragem é uma carreira que vale a pena

De acordo com dados oficiais (os últimos são de 2018), Portugal tem cerca de 4.780 árbitros de futebol no ativo.

É verdade que o país é pequeno, mas a quantidade de competições que organiza justificava, pelo menos, a existência do dobro. Mesmo assim, poderiam não ser suficientes. Neste momento, há árbitros a dirigirem seis e sete jogos por fim de semana. Penso que isto diz tudo sobre cansaço físico, falta de lucidez para a decisão e consequente impacto no desempenho.

Este assunto, que não é novo, continua a ser muito sério e a merecer uma reflexão atenta de quem está ligado ao fenómeno. É preciso entender os porquês e encontrar os comos: porque que é que há pouca gente a querer vir para a arbitragem e como é que se contorna esta situação?

O primeiro grande obstáculo que a arbitragem enfrenta é, de facto, o do recrutamento.

Não é fácil cativar meninos e meninas na casa dos 14/16 anos a ingressarem nesta carreira, sabendo que ela exige resiliência, compromisso e muito estômago. Mais difícil ainda é tentar convencer os seus pais, que estão bem cientes das dificuldades que a carreira pode trazer-lhes a todos os níveis.

É normal que exista o estigma — o tal de que em cada árbitro há um ladrão —, mas há formas de contornar esse preconceito. Uma delas é através da intensificação de ações de sensibilização junto de escolas e clubes com escalões de formação.


A maioria dos jovens não sabe que há uma coisa chamada "curso de árbitros". É um conceito que nunca lhes passou pela cabeça. O foco sempre esteve nos seus ídolos, no clube do coração, no jogo em si. Não no malandro que apita.

Quando alguém lhes diz que podem continuar a estar ligados ao futebol, mas de outra forma, ficam curiosos. Querem saber mais. Querem perceber como.

Essa porta deve ser explorada ao máximo pelos conselhos regionais de arbitragem, pelos seus professores e até pelos seus treinadores. É que nem todos nascem com talento no pés, mas há muitos que podem ter aptidão para ter um apito na mão.

A arbitragem tem que ir até esses, de forma ativa e marcante. De forma consistente e concertada.

Tem que os seduzir e mostrar-lhes a importância deste universo. Precisa de contar aí com a cumplicidade ativa das escolas, dos clubes e das autarquias. Precisa de ser criativa e dinâmica.

É importante mostrar-lhes que esta é uma carreira que vale a pena. Que tudo o que aqui se faz é positivo e prazeroso: do treino ao trabalho de equipa, das viagens à adrenalina de estar em campo, do compromisso à responsabilidade, do estudo das regras às sessões práticas, da aquisição de experiência à tomada de decisão. Tudo é mais-valia numa idade em que a absorção de valores é crucial.

Quanto aos pais, não têm nada que temer. Em idade de influências, a arbitragem é uma escola de virtudes.

Não conheço nenhum jovem árbitro(a) que tenha seguido o caminho da delinquência. Não conheço nenhum que abuse do álcool ou que consuma regularmente substâncias proibidas.

Os jovens árbitros estão sempre a aprender. Aprendem a assumir as consequências das suas decisões, a lidar com a crítica e a gerir emoções. Aprendem a ignorar o insulto, a sancionar o prevaricador e a aplicar a justiça. Aprendem a acertar e a errar.Levam um estilo de vida saudável e disciplinado, que os torna melhores pessoas, melhores seres humanos.

A carreira na arbitragem é, ao contrário do que se possa pensar, uma das mais aliciantes de qualquer jogo. É nobre e imprescindível. É bonita, é séria e tem futuro: qualquer jovem que comece agora a sua aventura pode aspirar a chegar ao escalão maior ou à internacionalização. As portas estão abertas para uma carreira de topo, com estatuto e remuneração atrativa. Assim exista trabalho, dedicação e compromisso. Assim exista seriedade, integridade e independência.

Para que tudo isso se torne palpável, é fundamental que todas as estruturas que gerem a arbitragem encontrem formas de reter estes jovens. De fazer com que não se vão embora.

É importante que os acompanhem nos primeiros tempos, que lhes dêem a mão. Têm que apoiá-los e incentivá-los a toda hora. Não os podem deixar cair. O caminho não é fácil, mas "dificuldade" é uma palavra que só existe no dicionário de quem não se empenha em encontra soluções.

Reparem que nada do que aqui é sugerido é novo. Tudo isto já foi inventado, pensado e nalguns casos muito bem executado, mas há alturas em que o caminho parece ficar nublado. É aí que convém recordar o rumo para chegarmos ao destino certo. Não esqueçamos que temos hoje menos árbitros do que tínhamos em 1999.

Nota final: Estão quase a iniciar vários cursos de árbitros nos vários distritos do país.

Atrevam-se.

Procurem os contactos dos diferentes conselhos de arbitragem nas várias associações de futebol que existem, informem-se de datas e inscrevam-se. Inscrevam os vossos filhos. Falem disso aos vossos amigos e colegas.

A arbitragem agradece. O futebol português também.

Tem alguma questão? Envie um email ao jornalista: tribuna@expresso.impresa.pt