UEFA Euro 2024

Final do Euro 2024: o bebé espanhol e o resiliente inglês no jogo dos contrastes

Final do Euro 2024: o bebé espanhol e o resiliente inglês no jogo dos contrastes
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A partida decisiva do torneio (20h, RTP1) será um confronto entre equipas com estilos e percursos antagónicos: a de Luis De La Fuente é um oásis de risco e jogo ofensivo neste Europeu, a de Gareth Southgate foi avançando entre sustos e com uma aposta mais conservadora

Final do Euro 2024: o bebé espanhol e o resiliente inglês no jogo dos contrastes

Pedro Barata

Jornalista

O Olympiastadion, o palco onde, em 1936, Jesse Owens brilhou perante o olhar racista de Adolf Hitler, acolherá um jogo de contrastes. Espanha, a seleção que vem de uma década de fracassos e chega à final com base num futebol arrojado e de identidade vincada, contra Inglaterra, a equipa que vem batendo à porta dos triunfos e foi avançando aos repelões, com uma aposta mais conservadora, menos audaz.

Este domingo, Berlim coroará um novo campeão. Poderá ser Espanha, que está na final depois de derrotar Itália, Alemanha ou França, que juntas têm 10 Campeonatos do Mundo, ou Inglaterra, que chegou às meias-finais após empatar nos 90 minutos com Eslovénia, Eslováquia ou Suíça, seleções sem qualquer título, batendo os Países Baixos na antecâmara da decisão.

Numa competição em que muitos favoritos realizaram exibições de serviços mínimos, Espanha foi a exceção, voltando à sua melhor versão depois de em 2014, 2016, 2018 ou 2022 ter desiludido. Os ingleses, face oposta da moeda, repetem a final do passado Europeu.

O prodígio Lamine Yamal

Terá de acontecer algo absolutamente extraordinário na final para que o mais jovem golo de sempre de um Europeu ou Mundial não se torne na imagem de marca deste torneio, no cartaz que fica para a posteridade. Contra a França, com la roja a perder por 1-0, Lamine Yamal dançou à frente de Rabiot antes de soltar um remate mágico para empatar o jogo.

Marvin Ibo Guengoer - GES Sportf/Getty

Aos 16 anos e 362 dias, o canhoto do Barcelona é o mais precoce de sempre a marcar num palco desta dimensão. Nem Pelé, autor do seu primeiro golo no Mundial de 1958 com 17 anos e 241 dias, logrou tal feito. Lamine entrará na final no dia seguinte a chegar às 17 voltas ao sol.

Autor, também, de três assistências, o adolescente que começou o Europeu a estudar para os exames da escola impressiona pela maturidade, a leitura das situações, a clarividência na tomada de decisão. Levanta a cabeça, analisa a situação, vem para zonas interiores; se necessário, pausa o jogo.

Lamine, tal como Nico Williams, o outro extremo driblador, representa a mistura vencedora desta seleção. Mantendo a identidade dos melhores tempos – a valorização da posse, a pressão agressiva –, há capacidade para verticalizar. Há, também, o impacto de uma Espanha mais multicultural (Nico com pais do Gana, Lamine com mãe da Guiné Equatorial e pai de Marrocos).

No banco, Luís de la Fuente, mais conciliador que o seu antecessor Luís Enrique, criou um ambiente em que reina a “harmonia”, relata à Tribuna Expresso o enviado-especial do “Relevo” à Alemanha, Manu Amor. Não se notam os conflitos ou polémicas que pontuaram, por exemplo, as participações de la roja nos dois últimos Mundiais.

Na federação espanhola como técnico das seleções jovens desde 2013, De La Fuente atesta a crença no processo de formação. Campeão da Europa sub-19 e sub-21 e prata nos Jogos de Tóquio, orientou, nessas equipas, protagonistas deste Euro como Cucurella, Unai Simón, Merino, Zubimendi, Pedri, Olmo, Oyarzabal e Fabián.

Southgate, sempre no limite

De susto em susto até ao triunfo final? Será essa a esperança dos ingleses: estavam eliminados contra a Eslováquia quando uma bicicleta de Bellingham fez o empate aos 95’, igualaram frente à Suíça aos 80’ e venceram nos penáltis, estiveram a perder face aos Países Baixos e terminaram a festejar devido a um tiro de Watkins aos 90’.

Após quatro empates seguidos nos 90 minutos (Dinamarca, Eslovénia, Eslováquia, Suíça) e uma meia-final superada in extremis, Inglaterra volta à final, repetindo o feito do passado Europeu. Eis uma equipa que vive bem perante o abismo, como notou Tomás da Cunha no “No Princípio Era a Bola”.

Jürgen Fromme - firo sportphoto/Getty

Gareth Southgate foi sendo criticado, transformando-se no ponto central da máquina de discussão e debate mediático que se gera à volta da seleção. A grande expetativa com que os ingleses chegaram ao Europeu — à boleia dos bons resultados recentes e de um grande conjunto de craques — juntou-se à convicção geral de que será o último torneio do antigo defesa no banco da equipa para elevar ainda mais a fasquia, tornar a análise ainda mais dura. O contraste com o nível evidenciado foi duro.

Ainda assim, é preciso reconhecer que Southgate foi fazendo ajustes, procurando tirar o melhor rendimento de craques como Foden ou Kane. A passagem para um sistema algo híbrido, com Saka como ala/extremo direito e Foden mais sobre a meia-direita, e não preso à esquerda, deu maior fluidez ao coletivo. Ainda assim, chega à final sem convencer.

Apesar do futebol em modo gestão, os resultados legitimam Southgate. Até à sua chegada, em 2016, Inglaterra alcançara, em toda a sua história, uma final de Mundial ou Europeu. Gareth vai para a segunda seguida, além do quarto lugar do Mundial 2018. Terminará em Berlim o jejum que dura desde 1966?

Contrastes, contrastes, contrastes

A final de Berlim será um cenário de diferenças vincadas, as quais se notam em toda a linha. No percurso até à decisão, no estilo de jogo, nos bancos.

Do lado espanhol, uma seleção que não chegava a uma final desde 2012. Da parte inglesa, uma equipa que repete a presença do último Europeu no derradeiro duelo. Até este campeonato, la roja não superara qualquer eliminatória em quatro das últimas cinco fases finais. Em sentido inverso, com Southgate, Inglaterra superou duas rondas de mata-mata em 2018, três em 2020 e uma em 2022. E, agora, mais três.

Espanha entra no Olympiastadion com 13 golos, o melhor ataque da competição. Inglaterra tem sete, apenas o 6.º registo mais elevado, igual à Áustria, que disputou menos dois jogos.

Olhando aos golos esperados (xG), que medem a probabilidade de um remate dar golo, atribuindo-se um valor entre 0 e 1 a cada disparo, Espanha criou, em média, 1,4 xG por partida, o quarto melhor valor da competição. Inglaterra teve uma média de 0,8, registo apenas superior, entre os 24 participantes, aos da Escócia, Roménia, Geórgia e Albânia.

Sempre segundo os dados da plataforma especializada Drilab, Espanha é a terceira equipa que faz mais recuperações em zonas subidas por partida (média de 7,8). Inglaterra é apenas a 14.ª melhor seleção nesta métrica (4,5 por jogo). Espanha é a segunda equipa que mais remata (17,2 por encontro), Inglaterra é, somente, a 14.ª com mais disparos por partida (10).

Neste choque de antagonismos, entre os espanhóis que renovaram a velha fórmula e os ingleses que foram progredindo com as virtudes e defeitos do Southgatismo, se decidirá a final. Para Harry Kane, que fará 31 anos no final de julho, poderá ser o primeiro título da carreira. Para Dani Carvajal, que nasceu ano e meio antes, poderá ser o 29.º. Contrastes.

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