Futebol internacional

Bienvenue, Madame Frappart. E viva as mulheres no futebol

Bienvenue, Madame Frappart. E viva as mulheres no futebol
Johnny Fidelin

Depois de se ter estreado na Ligue 1 masculina em abril, com honras de faixa de boas-vindas, Stéphanie Frappart vai ser a primeira árbitra do sexo feminino a apitar uma final europeia masculina, esta noite, em Istambul, na Supertaça entre Liverpool e Chelsea (20h, TVI)

Bienvenue, Madame Frappart. E viva as mulheres no futebol

Mariana Cabral

Jornalista

Bienvenue
à la
Licorne
Madame
Frappart
Vive les femmes
dans le foot

A 28 de abril de 2019, o impensável tornava-se real. Uma equipa de arbitragem entrava no Stade de la Licorne, em Amiens, e, pasme-se, não era recebida por um coro de assobios por parte dos 11833 adeptos presentes. Pelo contrário, havia até honras de faixa na bancada para a única equipa do futebol que não costuma ter apoiantes.

Bem-vinda
a Licorne
Senhora
Frappart
Viva as mulheres
no futebol

A estreia de Stéphanie Frappart na Liga francesa - masculina, bem entendido -, num pacato Amiens-Strasbourg, foi exatamente o contrário daquilo que se pede a um(a) árbitro(a): que passe despercebido(a) no jogo. É que, naquela tarde, todos os olhos estavam colados à primeira árbitra do sexo feminino a apitar na Ligue 1 (o “L' Équipe”, por exemplo, examinou-a à lupa), um marco até então só visto, entre as maiores ligas europeias, na Bundesliga, onde Bibiana Steinhaus foi a primeira alemã a arbitrar, em 2017.

"Sei que este jogo entrou na história e sei que estavam à espera para me ver, mas levei-o como outro jogo qualquer. Mostrei hoje que tenho competência e capacidade para estar ali", disse a árbitra francesa de 35 anos, à AFP, depois daquele que seria o acontecimento mais marcante da sua carreira.

Só que, bom, uma carreira pode bem mudar de um dia para o outro. E não se pode dizer que 2019 esteja a ser um ano particularmente sossegado para Stéphanie Frappart, assim como para as suas assistentes, a francesa Manuela Nicolosi e a irlandesa Michelle O' Neill.

Depois de se habituarem a lidar com os jogadores da Ligue 2, desde 2014, começaram a habituar-se a lidar com as exigências da Ligue 1, no final da época 2018/19, e ainda passaram o verão no Mundial feminino, também em França, no qual orientaram a final entre EUA e Holanda, com direito a VAR, pela primeira vez.

Ou seja, o que já era bom, passou a muito bom. E o que já era muito bom, passou a excelente.

A 2 de agosto, a UEFA anunciou o que ninguém esperava: Stéphanie Frappart foi escolhida para apitar a Supertaça europeia entre Liverpool e Chelsea, a 14 de agosto, em Istambul, na Turquia (local que também acrescenta um certo je ne sais quoi à nomeação), numa decisão que terá tido tanto de reconhecimento de competência como de intenção em provocar impacto a nível mundial.

"Como organização, consideramos ser de uma importância extrema o desenvolvimento do futebol no feminino em todas as áreas", disse o presidente da UEFA, Aleksander Čeferin, citado pelo organismo que rege o futebol europeu. "Espero que a competência e a devoção que Stéphanie tem demonstrado ao longo da sua carreira para atingir este nível possa inspirar milhões de raparigas e mulheres por toda a Europa, mostrando-lhes que não devem existir barreiras a impedir que consigamos concretizar os nossos sonhos", acrescentou.

"Estou muito feliz, porque foi realmente uma surpresa. Não esperava ser nomeada e é uma grande honra, para mim e para todas as árbitras", disse a francesa, citada pela UEFA, depois de saber que iria ser a primeira mulher a orientar uma final europeia masculina. "A pressão é diferente. Sei muito bem que as pessoas estarão à espera para ver como me saio".

Só Roberto Rosetti, diretor do Comité de Arbitragem da UEFA, não precisa de esperar para ver: "A Stéphanie já provou ao longo dos anos que é uma das melhores árbitras do mundo. Tem a competência para apitar ao mais alto nível, como provou na final do Mundial feminino. Espero que este jogo lhe dê ainda mais experiência, numa altura em que entra nos melhores anos da sua carreira".

Soccrates Images

Nascida em Val d' Oise, um subúrbio a uma hora de Paris, em 1983, Stéphanie Frappart começou por ser jogadora de futebol, no pequeno FC Parisis, mas a fase não resistiu à adolescência. Logo aos 13 anos, a pequena Stéphanie começou a interessar-se mais pelo apito do que pela bola. "Jogava futebol, mas quis aprender as Leis do Jogo e comecei também a apitar, até aos 20 anos, quando finalmente tive de optar". E assim nasceu uma árbitra que foi ultrapassando barreiras até se tornar internacional FIFA, em 2009.

Antes dela, já outras tinham aberto portas na Europa: a francesa Nelly Viennot foi a primeira árbitra assistente da Ligue 1, em 1996, e a suíça Nicole Petignat foi a primeira árbitra a orientar um jogo europeu masculino, na já extinta Taça UEFA (agora Liga Europa), entre AIK e Fylkir, em 2003, além de também apitar na Liga Suíça.

"Há quarenta anos, eu era a única mulher em todos os exames de arbitragem a que ia. Agora, as mulheres querem fazer parte do futebol. Veem os jogos, jogam e querem ser árbitras, e não há razão nenhuma para que não possam fazê-lo", disse Nicole Petignat, agora com 52 anos, ao "The Athletic". "Stéphanie não é apenas um símbolo. É uma pioneira no sentido em que lidera o caminho que outras podem seguir", acrescentou.

Vincent Michel

Mas isto de ser pioneira também tem as suas dores de crescimento. Em 2015, o então treinador do Valenciennes, David Le Frapper, ficou amargurado por um empate sem golos frente ao Laval, na Ligue 2... e disparou contra a arbitragem, pois claro. "Houve penálti mas a árbitra não o viu, devia estar a fazer patinagem artística, se calhar. Quando colocam uma mulher a apitar num desporto de homens é complicado", queixou-se o treinador, que rapidamente pediu desculpa pelos comentários e acabou por ser suspenso por dois jogos.

Em 2019/20, Stéphanie Frappart já faz parte do grupo de elite de 23 árbitros da Ligue 1, depois de passar nos mesmos exames que os colegas do sexo masculino passaram, em julho, em Clairefontaine. "Os jogadores não vão correr mais devagar porque estou eu a apitar", disse então a árbitra, "por isso os requisitos físicos devem ser os mesmos para todos".

Assim foi - e Stéphanie passou com distinção. E, esta noite, em Istambul, será novamente um exemplo. "É um verdadeiro prazer mostrar que isto é possível. Agora as raparigas podem ver árbitras do sexo feminino na televisão e perceber que é possível. Espero que isto as estimule a perseguir os seus sonhos."

Como se diz "bem-vinda" em turco?

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