Tribuna 12:45

A festa do pouco futebol português

Gyökeres a bater o penálti que começaria a reviravolta do Sporting no final da Taça, contra o Benfica, para conquistar a dobradinha 23 anos depois.
MIGUEL A. LOPES

Refeito o Jamor da peregrinação anual que acolhe, esvaziada a sua vasta mata dos restos de churrascos e cerveja bebericada, das caravanas e dos acampamentos, muitas pontas haveria por onde puxar, várias seriam as deixas para aproveitar. Antes de irmos à mais óbvia, podemos gabar a que nem deveria ser para aqui chamada, mas, pronto, isto é futebol, sabemos o quão encantadores são os pontapés na bola à irracionalidade: 29 anos volvidos do very-light, na reedição de um Benfica-Sporting na final da Taça de Portugal, ninguém morreu, não houve agressões de maior, tão pouco violência além das pessoas que a polícia deteve por posse de pirotecnia.

Saudado o que nem nunca deveria ser tema, ainda o corpo da final estava quente e as atenções poderiam concentrar-se a discutir o essencial: por exemplo, como, durante grande parte da ação, o Sporting encravou perante o émulo da sua estrutura que foi o Benfica, disposto com três defesas, dois alas, um par de médios e três atacantes para encaixar no sistema do adversário; ou como, chegado o jogo à sua luz que finda, já a serem contados os descontos, António Silva se urgiu a tentar rasteirar Gyökeres e Renato Sanches acrescentou à pressa ao encostar o corpo ao sueco dentro da área, na que poderia ter sido a derradeira jogada da partida e antes foi uma fusão de jogadores a unirem-se no arquétipo de precipitação.

Mas não, claro que não.

Feito o jogo, marcados os golos, prolongado esse jogo e entregue a Taça, nada tardou até que os vencidos se revoltassem contra os árbitros, vilões do costume. Bruno Lage criticou-os em pessoa, ainda no relvado, depois na conferência de imprensa. Nicolás Otamendi visou-os nas redes sociais, partilhando excertos de lances da final cortados por adeptos. Rui Costa declarou o seu desgosto ainda no Jamor, perante os jornalistas, salvaguardando que não se despia das responsabilidades próprias, mas pondo-as atrás das que imputou à arbitragem. Tendo razão ou não, e têm-na em algumas queixas, nenhuma das críticas visou o jogo jogado e o seu teor cingiu-se a ir contra quem nunca, jamais, é admissível que erre.

Sim, os árbitros erram e erraram, certamente vão continuar a errar. Sim, as suas falhas terão sempre influência na partida. Tal e qual jogadores, treinadores, presidentes, obviamente que sim, devem sempre melhorar as suas prestações. E claro que sim, qualquer agressão deve valer expulsão e cantigas a vangloriar ou troçar desses atos deveriam equivaler a reprimendas. Esta final da Taça teve o Benfica a trajar-se de queixoso porque foi o derrotado, mas a um minuto ou dois ficou o Sporting de poder assumir este papel porque, também sim, em Portugal, onde se valoriza o ganhar acima de tudo, de qualquer forma for, seja como for, esta sina costuma ser assumida pelos vencidos.

Pouco saudável e produtivo é repetir a mesma tecla, mas, no Jamor, sobretudo a segunda parte teve uma paupérrima amostra de futebol devido às inúmeras paragens que sofreu entre faltas e faltinhas (39 em 120 minutos), jogadores caídos na relva e pedidos de assistência. Durante muito desse tempo, os perpetradores tinham camisolas vermelhas. Mais tarde, já no prolongamento e em vantagem nos golos, foram as riscas verdes e brancas a solavancarem o jogo. Não há culpados e inocentes neste filme, nem quem possa ficar sentado no topo do muro, impávido, apenas a olhar para cada um dos lados. Antes da decisão da Taça, ouvimos Rui Borges e Frederico Varandas, como Bruno Lage e Rui Costa, a apelarem ao fair-play, sendo óbvio o concertado esforço para inserir no discurso público esse valioso princípio. Afinal, temia-se pelo contágio da trágica memória de 1996.

Como tudo nesta vida, o desportivismo vale sobremaneira nos atos, bem mais do que nas palavras. Se ao dito não corresponder o feito, as afirmações esvaziam-se e sobra um futebol quezilento, repleto de acusações e insinuações, ávido em polémicas e no falatório em redor que abusa do acessório para fazer crer que se trata do essencial. A final que 23 anos depois deu uma dobradinha ao Sporting não ofereceu um futebol de arrebatar os olhos e inundou-se de contestações, servindo de exemplo cabal ao que abunda na bola em Portugal - quando estamos a um ano de ter de ser entregue ao Governo uma proposta de modelo para a centralização dos direitos televisivos, que em parte tratará de vender o produto que temos lá para fora.

De novo, a culpa mora em várias freguesias. À sua maneira são os jogadores, os treinadores, os adeptos, os jornalistas, os presidentes, os comentadores, os jornais, as televisões e quem trata da comunicação dos clubes, todos contribuirmos para a apologia do resultado servir para justificar quaisquer meios. Até o IFAB, entidade responsável pelas regras do futebol, faz o seu papel, ao assobiar para o lado e só muito devagarinho experimentar mudanças nas leis, como o relógio poder parar a qualquer interrupção de modo a não beneficiar quem se lembre de fazer anti-jogo. No Jamor houve bastante, sem exclusividades.

Por oposição, houve pouco futebol na festa desta espécie peculiar que é o futebol português, onde contestar publicamente arbitragens é algo que se cobra internamente a presidentes de clubes, sejam eles quem forem. Desta final de Taça, infelizmente, sobrou polémica. Que para a próxima época possa sobrar muito futebol.

O que se passou

Zona mista

The good days are coming.

Longe está de ser usual ver um treinador, no final do último jogo da época, reunir os jogadores no centro do campo, pedir o microfone e falar para os adeptos. Muito menos se a equipa acabou de ficar no 15.º lugar entre as 20 da Premier League - e se essa equipa for o Manchester United. Isso fez Ruben Amorim, cabisbaixo mas assertivo: pediu desculpa aos adeptos, agradeceu-lhes a paciência, apelou à união e puxou o lustro ao coração de quem muito tem sofrido nas bancadas: “Se há clube que no passado provou que pode superar qualquer situação, qualquer desastre, é o nosso clube, é o Manchester United.” E também pediu perdão aos seus jogadores por nem sempre ter sido justo. O português a confiar no caminho na honestidade, como tanto o fez em Portugal.

O que vem aí

Segunda-feira, 26

🎾 Já se joga em Roland-Garros e por volta das 10h será a estreia de Henrique Rocha no quadro principal de um Grand Slam (Eurosport).
⚽ O Fenerbahçe de José Mourinho visita o Hatayspor na penúltima jornada da liga turca (18h, Sport TV7).

Terça-fira, 27

🏀 NBA: quarto jogo da final da conferência oeste entre os Minnesota Timberwolves e os Oklahoma City Thunder (1h30, Sport TV1).
🚴‍♂️ Giro d’Itália: etapa 16 (a partir das 10h, Eurosport).
🎾 Roland-Garros (a partir das 11h, Eurosport).

Quarta-feira, 28

🏀 NBA: quarto encontro da final da conferência este com os Indiana Pacers e os New York Knicks (1h, Sport TV1).
🎾 Roland-Garros (a partir das 11h, Eurosport).
🚴‍♂️ Giro d’Itália: etapa 17 (a partir das 11h30, Eurosport).
⚽ Dia para a final da Liga Conferência entre o Real Betis (de William Carvalho, não inscrito na prova) e o Chelsea de Pedro Neto (20h, Sport TV5).

Quinta-feira, 29

🎾 Roland-Garros (a partir das 11h, Eurosport).
🚴‍♂️ Giro d’Itália: etapa 18 (a partir das 12h30, Eurosport).
⚽ Segunda mão do play-off de manutenção ou subida da Ligue 1 francesa, como se quiser ver a coisa, entre o Metz e o Stade Reims (19h30, Sport TV1).

Sexta-feira, 30

🎾 Roland-Garros (a partir das 11h, Eurosport).
🚴‍♂️ Giro d’Itália: etapa 19 (a partir das 11h, Eurosport).
⚽👩 Portugal joga em Wembley contra a Inglaterra para a Liga das Nações feminina (19h45, RTP1).

Sábado, 31

🎾 Roland-Garros (a partir das 11h, Eurosport).
🚴‍♂️ Giro d’Itália: etapa 20 (a partir das 11h, Eurosport).
⚽🏆 Final da Liga dos Campeões entre o Paris Saint-Germain e o Inter de Milão (20h, Sport TV5).

Domingo, 1

🎾 Roland-Garros (a partir das 11h, Eurosport).
🚴‍♂️ Última etapa do Giro d’Itália, inteiramente em Roma (a partir das 11h, Eurosport).
⚽ Segunda mão do play-off de acesso à I Liga entre o Vizela e o AFS, após a vitória por 3-0 da equipa da Vila das Aves no primeiro jogo (19h45, Sport TV1).

Hoje deu-nos para isto

Três lendas foram ter com outra e engrandeceram a homenagem de Roland-Garros a Rafael Nadal.
Julian Finney

Ra-fa-élé Ná-dale.” Leiam-no com os ouvidos, imaginem o nome e o apelido como uma só onomatopeia dita com o sotaque francês cerrado de Marc Maury, o speaker do Philippe Chatrier que se fez mítico muito por culpa de pronunciar este nome, este apelido, repetidamente ao longo dos anos em Roland-Garros, para boa-vindar o mais premente dos tenistas que prevaleceu como ninguém no principal court do Grand Slam da terra batida. Até ele e a sua voz e a sua peculiar entoação de Rafael Nadal tiveram que comparecer, como não?, à homenagem orquestrada, no domingo, no quintal preferido do espanhol.

No dia inaugural da edição de 2025 do torneio, a primeira a lidar com um sentimento de perda, de quase orfandade, após a retirada do espanhol, Roland-Garros aprontou uma sedução ao choro e um intenso cortejo à emoção. Exatos 20 anos depois da sua estreia na prova, a organização convidou Rafael Nadal a estar em Paris, na sua casa emprestada, para pisar o seu pó de tijolo, dizendo-lhe que iria inaugurar uma placa plantada no campo em sua honra, crescendo o seu nariz de Pinóquio por lhe garantir que a homenagem lá ficaria apenas este ano. Mas não, é suposto ser infinita, quedar-se na terra como imóvel no ar ficou a estátua de Rafael Nadal já inaugurada, há uns anos, à entrada do complexo de Roland-Garros. Foi uma mentira cheia de verdade.

No domingo, o maior torneio da terra batida puxou à lágrima com a cerimónia montada para a vénia suprema ao tenista que o conquistou por 14 vezes, nove dessas vezes entre 2005 e 2014, ao mito que ganhou 112 dos 116 jogos feitos por lá, que era dono dos contornos e características mais confundíveis com as condições de uma prova, tão aptas para a dominar que só falta a Roland-Garros batizar de Rafael Nadal todos os campos que o compõem. A boniteza do momento perdurará: um dos palcos maiores de uma modalidade a reconhecer o mítico lastro deixado por quem mais o elevou com vitórias.

Mas não pode ter sido apenas nisso. Não é por, quase sempre, ter parecido invencível que Rafael Nadal mereceu que a sua pegada fique literalmente cravada no court do Philippe Chatrier, seria por demais redutor cingir o que aconteceu em Paris ao seu registo de raquete na mão - dignarem-se a aparecer os três maiores rivais que teve na carreira para também eles estimarem o que foi, é e será Nadal para o ténis. Especialmente terno foi o abraço dado a Roger Federer, retribuidor da gentileza quase fraterna que o espanhol lhe prestou há uns anos, na sua própria despedida, mas não menos especial foi a presença de Andy Murray, o mais humano dos ‘Big 4’, nem a de Novak Djokovic, o único dos grandes que projetaram o ténis para lá da atmosfera que ainda não deu descanso à raquete.

Estarem os quatro presentes provou, não que fosse necessário, a grandeza de Rafael Nadal, escancarando o que devia ser evidente no desporto, em qualquer modalidade: elogiar a magnificência de um adversário ou rival nunca belisca a nossa, não diminui o que valemos. Quanto muito, aumenta. E na homenagem que faltava ao espanhol, uma assim em esteroides, carregada de simbolismo e significado, os maiores nomes da melhor geração do ténis mostraram como se faz. Como não é difícil admirar quem lutou pelo mesmo e num determinado palco foi consistentemente o melhor.

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