Opinião

O Desporto em período eleitoral

O Desporto em período eleitoral

Daniel Monteiro

Presidente da Confederação de Desporto de Portugal

O Estado demitiu-se de funções ao deixar as organizações desportivas praticamente entregues à sua sorte. Se há Desporto em Portugal deve-se, essencialmente, ao trabalho, na maior parte das vezes voluntário, de tantos dirigentes espalhados pelo país fora, do apoio das autarquias, mas, principalmente, das famílias portuguesas. Daniel Monteiro, presidente da Confederação do Desporto de Portugal, escreve que é tempo do poder político assumir a sua responsabilidade

A Confederação do Desporto de Portugal (CDP), instituição que congrega as mais de 60 federações desportivas nacionais, assumiu a responsabilidade que a sociedade civil tem, e que é reforçada em períodos eleitorais, de contribuir com propostas objetivas e exequíveis, que potenciem o desenvolvimento do país.

A CDP, dando cumprimento à sua missão de intervir na política desportiva nacional, apresentou as “5 prioridades políticas para a XVI legislatura”, em defesa do reforço da valorização social e política do Desporto que, lamentavelmente, não tem existido em Portugal.

O país está a completar 50 anos em liberdade e, olhando para este período, é com enorme dificuldade que se veem reformas estruturais no setor do Desporto, que o tenham alavancado e colocado como uma verdadeira prioridade nacional. Foram muitas as oportunidades perdidas, várias as medidas que não saíram do papel e inúmeras as promessas políticas que acabaram por nunca ser concretizadas, por clara e inequívoca falta de vontade política.

Durante estes anos, o Desporto português foi, em regra geral, visto como uma despesa, em detrimento de ser considerado um investimento, em áreas consideradas fundamentais para a construção de um país mais desenvolvido. Poderia, e deveria, ter sido visto como investimento na área da Educação, através da promoção e aquisição de valores essenciais ao desenvolvimento humano; na Saúde, com benefícios reconhecidos na redução dos riscos de doença e da melhoria do bem-estar físico e mental; e na Economia, estimando-se um Valor Acrescentado Bruto (VAB) de 4.210 milhões de euros e o impacto em 133 mil empregos em Portugal.

Os dados e os números não mentem. O país terminou 2023 com cerca de 720.000 atletas federados, o equivalente a pouco mais de 7% da população portuguesa, para além de continuar como um dos países europeus com piores índices de atividade física e desportiva.

O Desporto em Portugal tem de mudar. Estamos há demasiados anos a insistir num modelo esgotado, apesar do enorme esforço de atletas, treinadores e dirigentes.

O Estado central demitiu-se de funções, ao deixar as organizações desportivas, praticamente, entregues à sua sorte. Se há Desporto em Portugal deve-se, essencialmente, ao trabalho, na maior parte das vezes voluntário, de tantos dirigentes, espalhados pelo país fora, do apoio das autarquias, mas, principalmente, das famílias portuguesas. Sim, em pleno século XXI são as famílias portuguesas o principal financiador do Desporto português e a elas lhe devemos o sustento dos nossos clubes e coletividades de base local.

Quando se fala em clubes, tendemos a associar a denominação às três instituições desportivas habitualmente designadas como “grandes” no mundo do futebol. Mas o Desporto nacional vai muito para além do que é gerado por essas instituições. Os milhares de clubes e coletividades de base local, existentes no nosso país, são a porta de entrada de muitas crianças e jovens para a prática desportiva, oferecendo, assim, um contributo essencial à importância do Desporto como ferramenta de integração social.

Atento ao atual momento político que o país vive, a CDP estabelece dois grandes objetivos para a próxima legislatura: aumentar o número de praticantes, formais e informais, e melhorar a competitividade internacional. Ambos totalmente mensuráveis e atingíveis. Como? Através de cinco prioridades que traçamos como prioritárias para a próxima legislatura:

1. Criação de um plano estratégico para a década

É fundamental que o futuro Governo apresente, nos 100 primeiros dias de mandato, um Plano Estratégico, devidamente articulado com os agentes do setor, em que sejam definidas metas, objetivos, reformas e um plano de ação, com recursos e meios financeiros, através do qual assuma um compromisso de atuação, que funcione, igualmente, como barómetro de avaliação à atuação governativa.

2. Novo modelo de financiamento do Desporto Nacional

Urge um novo modelo de financiamento ao Desporto, que, por um lado, alargue as fontes de financiamento público às receitas fiscais arrecadadas pelo Estado (atualmente a única fonte de financiamento ao Desporto, por via do Estado central, é uma % dos resultados líquidos dos jogos sociais explorados pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa) e, por outro, estabeleça novos critérios à distribuição de verbas pelas organizações desportivas.

3. Mais Educação Física no 1.º ciclo de Escolaridade

Impõe-se uma alteração legislativa que dê resposta à importância da disciplina Educação Física no desenvolvimento das crianças, estabelecendo 3 horas de carga horária semanal para a disciplina, no 1.º ciclo de escolaridade, como, aliás, advém de recomendações da própria Comissão Europeia.

4. Mais desporto no serviço público de rádio e televisão

Exige-se ao Governo que priorize o ecletismo desportivo no novo contrato de concessão da RTP, o qual deve prever o alargamento das obrigações específicas em matéria desportiva e que envolva a Confederação do Desporto de Portugal na definição estratégica da grelha, no que respeita ao setor do Desporto.

5. Criação do Ministério do Desporto

A valorização política do Desporto passa muito pelo reconhecimento do setor enquanto área estratégica para o desenvolvimento social e cívico do país, conferindo-lhe o peso, a relevância e o estatuto ministerial desejado. As reformas necessárias são mais possíveis de serem concretizadas se forem promovidas por alguém com capacidade política e com presença no Conselho de Ministros. Importa realçar que, na União Europeia, 19 em 27 países têm Ministério do Desporto.

Os dados estão, assim, lançados. O movimento associativo desportivo cumpriu o seu papel, ao apresentar um conjunto de propostas para reformar o Desporto português. Exige-se, agora, aos partidos políticos e, principalmente, ao Governo, no âmbito da sua atuação política, que cumpram o seu.

Este é o tempo de o poder político assumir a sua responsabilidade. De deixar de lado a constituição de mais grupos de trabalho, de discussão sobre assuntos secundários ou sobre temas que já mereceram horas e horas de reflexão. Este é o tempo de se executar e de se concretizar o que há muito o setor anseia e precisa. É o tempo de o poder político assumir compromissos, definir metas e objetivos vinculativos e implementar um plano de ação, com os recursos financeiros necessários, para os atingir.

Insisto e reitero: com as receitas de sempre, dificilmente poderemos esperar diferentes resultados.

Daniel Monteiro

Presidente da Confederação do Desporto de Portugal

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