Ruben Amorim não controla o escárnio, os memes, o troçar generalizado em que inclusive os provocadores da troça mergulharam, ser-lhe-á indiferente, creio até que ligará patavina à forma como a sua imagem sentado no banco em Grimsby, de cabelo encharcado, com as mãos a remexerem nas peças de um tabuleiro tático, foi manipulada para ele ser um disco jockey à beira de uma mesa de mistura, ter no colo um tabuleiro do jogo ‘Quem é Quem’ ou estar ocupado com agulhas de bico e uma malha de croché.
O gozo generalizado foi, ainda é, uma consequência das peripécias umbilicais ao Manchester United, clube atreito à turbulência, perdido em tropelias de entra e sai de jogadores, treinadores e proprietários na sua turbulenta casa e que vai perder à casa de uma equipa da quarta divisão de Inglaterra, contra a qual já encaixava um 2-0 ao intervalo e ainda empatou nas últimas, antes de perecer nos penáltis a que o português, agastado com o filme, furibundo perante a iminente tragédia, escolheu não assistir. Ficou algures no túnel de acesso ao relvado, sem visão para a ação, preferindo a cegueira e confiando nos tímpanos.
Na iminência da catástrofe, os adeptos, e quanto mais os jogadores, verem o treinador sumir para parte incerta é, visto de fora, questionável e aqui entramos, em sintonia com a chacota pueril que visou Amorim pelas redes sociais, no domínio da ótica. Há menos de um ano, Ruben Amorim era preservado por um estado de graça: tinha o Sporting embalado para um série de 11 vitórias seguidas, uns meses antes voara a Londres, em plena época, para ir conversar com o West Ham, fora considerado pelo Liverpool no processo de sucessão de Jürgen Klopp e, com a plateia na mão de um Marquês de Pombal repleto, teve o seu momento mic drop.
Era o treinador da moda, o português mais desejado para os bancos do futebol, tudo parecia ascender e correr de feição, raro seria o hoje que não lhe soubesse a tanto.
Dessas e demais coisas se devem lembrar vocês assim como me lembro eu, apesar de as últimas impressões serem as que as pessoas retêm, já dizia o meu professor de Geografia do secundário quando nos acercávamos do final dos períodos, “atinem, esforcem-se agora, façam por mostrar o vosso melhor”, qualquer coisa nestes termos, sapiente de como o cérebro funciona. E agora é Ruben Amorim a constatar a visão curta da memória, encurtada mais ainda pela voragem da vida da bola que pretende as coisas para ontem para nos vir à memória uma frase batida: os treinadores são sempre julgados pelos resultados.
Eles não têm aparecido com Amorim a mando no United, equipa que sofreu golos em 39 dos 46 jogos com o português e incapaz foi, em nove meses, de vencer duas partidas seguidas na Premier League onde acabou no 15.º lugar na última época e agora está no 9.º, sem direito a compromissos europeus e eliminado de fresco da Taça da Liga. Hoje sabe a pouco. Perante esta carência a que se junta a periclitante qualidade do futebol praticado, o que outrora era gabado ao cândido Ruben vai, aos poucos, sendo-lhe imputado e posto dentro do saco das críticas, a ótica a trabalhar contra ele.
Em Portugal, inclusive à chegada a Inglaterra, não havia quem desgostasse da frescura de Amorim a falar num meio tão habituado às frases feitas, palavras redondas e ao lugar-comum da contenção, das respostas formatadas para perguntas gastas. Acessível no trato apesar de avesso às entrevistas, Amorim era, como ainda é, ou sempre parece ser, genuíno nos atos, alguém pouco importado em ter a guarda em baixo nas aparições e intervenções públicas porque prefere, como já tanto o disse, ser quem é.
E ele é o tipo que repete não querer um tusto se os clubes o quiserem ver pelas costas, que se escusa a ver penáltis da própria equipa e que depois, em Old Trafford, com o United prestes a sentir outro solavanco contra o Burnley, recosta-se na cadeira, puxa a cabeça atrás e cruza as pernas esticadas sobre um muro, numa pose quase de “já não sei o que fazer à minha vida”, quando a equipa teve um penálti ao sétimo minuto de compensação para resgatar a vitória. Antes querida e elogiada, a forma de Ruben Amorim ser já é usada para o criticar, refém dos resultados e da ditadura das últimas impressões. Incluindo o 3-4-3 querido para o português que tem no seu sistema predileto uma luta por tudo o que se leva a peito.
Inglaterra vai testando as suas preferências como nunca, lá onde se concentra a nata do conhecimento técnico e dos jogadores porque também do dinheiro, da qualidade e do detalhe na preparação, extensível ao último classificado da Premier League que também está apetrechado com não sei quantos departamentos e analistas que tornam fatal cada hesitação, qualquer sinal de estagnação. Lá onde Amorim escolheu ir, o Manchester United sepultador de jogadores e treinadores dificulta a tarefa de lidar com esta exigência: o clube mais parece o Pig-Pen dos Peanuts, rodeado por uma nuvem de pó constante, uma poeira omnipresente de cataclismo.
Para já, indo de desaire em catástrofe, os red devils que gastaram no verão uns €225 milhões só em três atacantes (Benjamin Šeško, Bryan Mbeumo e Matheus Cunha) estão a testar o nervo de Ruben Amorim e a perceção que o rodeia. Diz-se que o seu passado está moribundo e pouco lhe resta da aura que trouxe do Sporting, ultimamente o United tem alastrado o seu cinzentismo ao português que, mantendo a analogia cartoonesca, vai tendo dias à moda de Joe Btfsplk, o personagem de Lil’Abner cuja existência tinha sempre uma nuvem escura e chuvosa sobre a cabeça.
Pode às vezes parecer, mas o treinador não perdeu o brilhozinho nos olhos, a escalpelização e a troça da maneira como é aparece mas Amorim vai dizendo, “iremos lá chegar”. Admite a “montanha-russa” de treinar o clube onde a “exposição é muito grande, é visto em todo o mundo, há muita pressão” e se tem de “ganhar todos os jogos”, tal “não muda” nem com a “classificação do ano passado”, porque “é sempre o Manchester United”. O treinador sabe que enfim de uma escolha faz-se um desafio, terá ouvido Sérgio Godinho a cantar essa e as outras suas constatações que tentei polvilhar por aqui, já que de um recém-chegado aos 80 anos podemos aprender muito, igualmente Ruben Amorim, que tem a exata metade dessa idade.
Mas o português, venham as desavenças, o futebol intermitente ou os resultados aquém, continua fiel si e a ser como é, seja essa a sua salvação ou perdição cabe algures o elogio a um treinador por não perder a vista a si próprio, ao ponto de ir para uma flash interview e sarcasticamente brincar, benfiquista que é, com a iminente ida às urnas no Benfica e os rumores de que ele daria um trunfo eleitoral bombástico caso entretanto ficasse desempregado e se juntasse a um dos candidatos: “Vejo que vocês em Portugal estão a fazer contas aos jogos, eleições de clubes e isso, têm de ter calma, isto não acabou e não sabemos o dia de amanhã, eu poderei ficar aqui, não sei…” Bem no olho do furacão, Ruben Amorim é quem é, arrisco dizer que não mudará e assim livra-se de olhar para dentro e já pouco sobejar.
O que se passou
Zona mista
“Parece que cada vez que digo que vou acabar a carreira é quando as marcas me saem. Em Tóquio foi igual, queria acabar ali, mas nesse ano bati recordes nacionais, na altura o meu melhor ano de sempre. Este ano, a mesma coisa, disse que ia acabar e está a ser o meu melhor ano de sempre.”
Lorène Bazolo é um caso singular: aos 42 anos, a velocista nascida no Congo e naturalizada portuguesa detém os recordes nacionais dos 60, 100 e 200 metros, todos fixados ou igualados quando já era quarentona, façanha raríssima nas provas em que o atletismo pede o frenesim às reações e aos músculos. Em entrevista à Lídia Paralta Gomes, a atleta do Sporting falou do seu trajeto, explicou o que a motiva e demonstrou como é possível simplesmente não querermos saber da idade.
O que vem aí
Segunda-feira, 1
🌊 Arrancam as WSL Finals, que vão decidir os campeões mundiais de surf (Sport TV ou site da World Surf League).
🎾 Continua o US Open (a partir das 16h, Eurosport).
🏀 Portugal faz o quarto jogo no EuroBasket contra a Letónia (16h, RTP2).
Terça-feira, 2
🚴♂️Volta a Espanha: 10.ª etapa (a partir das 13h45, Eurosport 1).
🎾 US Open (a partir das 16h45, Eurosport).
Quarta-feira, 3
🏀 Portugal defronta a Estónia no seu quinto encontro no EuroBasket (12h45, RTP2).
🚴♂️Vuelta: 11.ª etapa (a partir das 13h45, Eurosport 1).
🎾 US Open (a partir das 16h45, Eurosport).
Quinta-feira, 4
🚴♂️Vuelta: 12.ª etapa (a partir das 13h45, Eurosport 1).
🎾 US Open (a partir das 16h45, Eurosport).
⚽ Vários jogos de qualificação para o Mundial de 2026, todos à mesma hora (19h45), entre eles o Bulgária-Espanha (Sport TV1), o Países Baixos-Polónia (Sport TV2) ou o Eslováquia-Alemanha (Sport TV1), além do Brasil-Chile já quando a noite tiver adormecido para a madrugada (1h30, Sport TV1).
Sexta-feira, 5
🚴♂️Vuelta: 13.ª etapa (a partir das 13h45, Eurosport 1).
🎾 US Open (a partir das 16h45, Eurosport).
⚽ Mais partidas internacionais, com início à mesma hora (19h45): o Itália-Estónia (Sport TV1) e o Dinamarca-Escócia (Sport TV2) são dois exemplos.
Sábado, 6
🎾 Final feminina do US Open (21h, Eurosport 1).
🏉👩 Mundial de râguebi feminino: País de Gales-Ilhas Fiji (14h45, Sport TV3) e Inglaterra-Austrália (17h, Sport TV6).
🚴♂️Vuelta: 14.ª etapa (a partir das 12h30, Eurosport 1).
⚽ É a vez de Portugal se estrear na qualificação para o Campeonato do Mundo, contra a Arménia, em Yerevan (17h, RTP1).
⚽ Inusitada e inexplicavelmente marcado para durante a paragem de seleções, realiza-se neste dia o Estoril Praia-Santa Clara (20h30, Sport TV1), a contar para a I Liga.
Domingo, 7
🎾 Final masculina do US Open (19h, Eurosport 1).
🏉👩 Mundial de râguebi feminino: Itália-Brasil (14h, Sport TV7) e França-África do Sul (17h, Sport TV7).
🚴♂️Vuelta: 15.ª etapa (a partir das 13h45, Eurosport).
🏎️ Fórmula 1: Grande Prémio de Itália (14h, DAZN).
⚽🏆 Joga-se a Supertaça de Portugal feminina entre o Benfica e o Torreense (17h15, RTP1).
Hoje deu-nos para isto
Pode haver alegria, grande comoção até, nos feitos que parecem minúsculos se vistos de fora, sem atentar ao contexto. No Campeonato do Mundo de râguebi que decorre, em Inglaterra, para pulverizar recordes de assistência, a história convive com os desequilíbrios. O mundo oval em que habitam as mulheres tem assimetrias ainda maiores do que o irmão masculino e, neste torneio, a Samoa vestido o fato de saco de pancada, mas tal é um disfarce.
No sábado, a amadora seleção perdeu sofreu 92 pontos contra a Inglaterra, principal candidata ao título. Na primeira jornada da fase de grupos já encaixara 73 da Austrália, mas, diante das anfitriãs do torneio, surgiu o feito: com uma falta ganha já perto da área de ensaio inglesa, a capitã samoana, contrariamente ao que se esperaria, não quis tentar ir ao ensaio e perguntou à média de abertura se “tomava conta disto”. Anuindo, Harmony Vatau converteu o pontapé aos postes e deu os primeiros e únicos três pontos as jogadoras da Samoa neste Mundial, que irromperam em festa no relvado.
O atropelamento prosseguiria e, com o jogo terminado, houve comunhão no campo entre as vitoriosas profissionais e as amadoras que tiverem de pedir licenças sem vencimento do trabalho ou pedir dinheiro, em campanhas de crowdfunding, para estarem ali. Puxando pelas inglesas, as samoanas ensinaram-lhes danças tradicionais do seu país. Houve muitos abraços, sorrisos ainda mais. Na ressaca de mais uma pesada derrota sofrida, houve espaço para animação. Afinal, por que não?
Após o jogo, o selecionador Ramsey Tomokino, que já pagou do próprio bolso deslocações da equipa, emocionou-se na sala de imprensa, chorando ao explicar as razões para ser tão fulcral a Samoa estar ali, no Mundial, enquanto quem vem do lado das nações mais poderosas questiona se a World Rugby fez bem em alargar o número de equipas no torneio, de 12 para 16. “Elas trabalharam muito para estarem aqui, nunca tivemos uma situação como sairmos do autocarro e sermos aplaudidos, de jogarmos num estádio com 14 mil pessoas. Muitos falaram da preocupação de o nosso jogo chegar aos três dígitos, sei que tem sido questionado se é bom para o râguebi, eu acho que o bom é que estamos cá e estamos a melhorar”, defendeu.
Para que qualquer modalidade cresça, estas dores de crescimento farão parte e não é possível querer evolução sem abertura para a necessária provação. Neste Mundial há as samoanas, também as brasileiras e as espanholas que este ano ganharam, por pouco, às portuguesas, e o realce deveria ser como países pequenos em râguebi movem mundos para alcançarem o torneio. Por enquanto há resultados desnivelados, mas também momentos como este. E ainda bem
Tenha uma boa semana e ficamos gratos por nos acompanhar aí desse lado, lendo-nos no site da Tribuna Expresso, onde poderá seguir a atualidade desportiva e as nossas entrevistas, perfis e análises. Siga-nos também no Facebook,Instagram e no Twitter.
Acompanhe também o podcast “No Princípio Era a Bola”, com Tomás da Cunha e Rui Malheiro, onde pode saber tudo sobre a 3.ª jornada da I Liga e do futebol lá fora.
Tem alguma questão? Envie um email ao jornalista: dpombo@expresso.impresa.pt