É como se o sol abrasador do verão dos Estados Unidos não permitisse fugir, fintasse os esconderijos, destapasse as carências e vícios. No calor de Miami ou nas tempestades de Orlando, na humidade de todo o lado, no clima traiçoeiro do Mundial de Clubes, Benfica e FC Porto parecem estar a realizar viagens de demonstração de pecados, travessias desconfortáveis a 36. °C, ao meio-dia, cheias de suor.
Os dragões foram ao lado de lá do Atlântico resumir os defeitos da temporada. Até se pode começar um jogo a ganhar, mas uma contrariedade não vem só e o 1-1 precede o 2-1 do adversário, qual equipa com bases de papel; até pode haver boas intenções táticas de arranque, como Fábio Vieira mais no centro, mas tudo se derrete rapidamente, não pelo calor intenso, mas pela tendência caótica de uma equipa tão pouco crente no que quer que, vendo-se na adversidade, desata a fazer tudo e o seu contrário.
Martín Anselmi chegou como um fanático do “processo”, mas muda o “processo” à velocidade a que Donald Trump se contradiz. Pensávamos que tínhamos aqui um fanático de uma ideia, mas temos uma equipa cujas ideias duram, por vezes, escassos minutos, baralhando e voltando a dar até entregar a equipa à zona Gonçalo Borges: o momento, na parte final dos desafios, em que se bombardeia a área com cruzamentos, em que se desiste do jogo interior, em que se aposta no aleatório, no “vamos lá ver se dá”. É uma aposta tão recorrente que deverá estar algures dentro do “processo”.
Mas, mais do que qualquer outra coisa, os Estados Unidos e o seu sol destaparam a substituíde aguda do argentino. É evidente que Rodrigo Mora, Fábio Vieira ou Gabri Veiga são muito melhores jogadores que as suas alternativas. Então o que se faz? Desata-se a substituir os melhores futebolistas por alternativas piores, piorando a equipa. O pecado foi evidente nos meses que precederam o Mundial de Clubes e segue vigente no torneio do tio Gianni.
Parece haver um estado de confusão em torno de Anselmi. Talvez não seja culpa do argentino, mas a dissonância entre expetativa e realidade é evidente: chegou um estudioso com fama de apologista de futebol ofensivo, mas a equipa enche-se frequentemente de jogadores de características defensivas; veio um profeta do “processo” que descarateriza o “processo” com substituições e com o recurso à zona Gonçalo Borges; aterrou um palavroso argentino que, nas derrotas, tem dificuldades em comunicar. O calor de Miami, na sua luz abafada, evidencia os problemas que já havia.
As tempestades de Orlando não são menos reveladoras. O Benfica foi à Flórida defrontar uma equipa amadora, cenário perfeito para golear e ir para a última jornada com tudo em aberto para passar na sequência do empate da abertura. Dito e feito, ganhou 6-0, tudo feliz e sereno. Bem, not.
Uma tempestade chegou ao jogo. Não só a que obrigou à interrupção da partida, mas uma tormenta de gestos, frases ditas e meio ditas. Bruno Lage substituiu Kökçü, o turco não gostou, o técnico respondeu e a calma de um embate entre um bicampeão da Europa e um conjunto amador da Nova Zelândia desapareceu.
Claro que já houve a habitual relativização, mas o episódio confirma as suspeitas de que algo se perdeu no seio do plantel, que há naturais feridas por lamber depois de um mês de maio marcado pelo quase. O Benfica quis ir para este Mundial de Clubes olhar para o futuro, fazer dos Estados Unidos o ponto zero da época, mas quando se utilizam jogadores que já têm outro clube (Di María), que são propriedade de outro clube (Renato Sanches) e que parecem encaminhados para outro clube (Álvaro Carreras) não se está propriamente a dar prioridade ao futuro. Está-se encalhado no passado recente.
É aqui que as situações de Lage e Anselmi se tocam e unem a outros casos de treinadores dos últimos 20 anos. A força de um técnico num clube é como uma fortaleza que, à medida que surgem invasões de desgaste, procura resistir. Aguentar-se face às investidas. O problema é que, quando a primeira bola de canhão penetra no muro e cria uma brecha, o normal é que todas as tentativas de ir lá suavizar o problema só farão isso mesmo. Suavizar. Os arqueiros podem ir lá ganhar tempo, a melhor infantaria pode tentar suster os invasores. Suavizar. Não curar. A muralha foi quebrada, os invasores entrarão, a fortaleza cairá.
André Villas-Boas e Rui Costa garantiram que Martín Anselmi e Bruno Lage serão os donos dos respetivos bancos em 2025/26. Não estão distantes das promessas que foram feitas a José Peseiro, Fernando Santos e Julen Lopetegui.
Em 2005, Peseiro manteve-se no Sporting depois dos traumas do quase, após Luisão e o CSKA. Começou a época seguinte fragilizado, caiu em outubro. Em 2007, Santos seguiu no Benfica após uma época em branco. Durou uma jornada. Em 2015, Lopeteguiu teve direito a uma segunda temporada no FC Porto depois de nada ganhar. Caiu em janeiro, porque na verdade a fortaleza fora quebrada logo na campanha de estreia.
Há ainda outros casos, até respeitantes a campeões nacionais. Rui Vitória selou o tetra, mas 2017/18 foi de desilusão em desilusão. Vieira resistiu à mudança, mas o ribatejano durou meia época; Roger Schmidt foi campeão em 2023, mas a temporada seguinte demonstrou a falência da ideia do alemão. Foi segurado por Rui Costa, durando apenas três rondas do campeonato passado.
Ao primeiro percalço, a constatação de que algo já desaparecera.
O Mundial de Clubes é uma competição que nos coloca perante um paradoxo constante. Faz sentido que o futebol, a mais global das modalidades, uma das expressões culturais mais universais da história da humanidade, tenha uma grande competição planetária de clubes. É bom vermos brasileiros baterem franceses, sauditas empatando com espanhóis, mexicanos travando italianos, japoneses ou sul-africanos mostrando qualidade. Simultaneamente, tudo isto decorre em alta união com o regime de Trump, é patrocinado pelo regime saudita, é feito sem harmonizar o calendário internacional, é orquestrado por uma FIFA com pouco respeito pelo jogo em si e muito respeitinho — e amizade — pelos piores tiranos do planeta.
O Mundial de Clubes vive nesta contradição. Uma contradição quente e húmida. Fiéis ao espírito do torneio, Benfica e FC Porto também mergulham em dúvidas e paradoxos. Manter treinadores nem sempre é zelar pela estabilidade. Quando a fortaleza foi quebrada, é uma questão de tempo até cair. Prolongar é ajudar à instabilidade, a um certo regime transitório. Quando um treinador vai tão fragilizado para uma temporada… bem, perguntem a José Peseiro, Fernando Santos ou Julen Lopetegui.
O que se passou
Foi um domingo de grandes êxitos para Portugal: João Almeida, que já vencera não uma, mas duas tiradas, conquistou a etapa decisiva e ganhou a Volta à Suíça. Na canoagem, Fernando Pimenta foi campeão da Europa em K1 5000, título que soma ao K1 1000. Nestes Europeus, o K4 500 foi ouro e Messias Baptista foi prata nos K1 200.
Pela primeira vez, os anéis ficaram em Oklahoma: os Thunder são campeões da NBA.
Portugal está nas meias-finais do Europeu sub-19 feminino. O apuramento para o Mundial sub-20 é um prémio inédito.
No Eurobasket feminino, Portugal terminou a sua participação com uma vitória inédita diante de Montenegro.
Patrícia Sampaio foi bronze nos Mundiais de judo.
Entrevista com Tom Daley, lenda do olimpismo.
Zona mista
“Fim de ciclo? Não sei. O meu contrato acho que termina hoje. Falarei sobre isso mais tarde, não é o momento ideal.”
As palavras de Rui Jorge depois da eliminação do Europeu sub-21 abrem, talvez mais do que nunca nos últimos 14 anos, a porta a uma mudança técnica na seleção que é a antecâmara da principal equipa nacional. O título no escalão vai escapando — ao contrário do que sucede noutras faixas etárias — e, diante dos Países Baixos, ter estado tanto tempo a jogar contra 10 só acentuou uma tremenda ideia de desilusão.
O que aí vem
Segunda-feira, 23
⚽ O Mundial de Clubes já a concluir a fase de grupos: para fechar o B, Atlético de Madrid-Botafogo (20h00, DAZN) e Seattle Sounders-PSG (20h00, DAZN)
⚽ Europeu sub-19, com um Espanha-Alemanha (16h00, Canal 11) nas meias-finais
🎾 Prossegue a época de relva, com o torneio de Eastbourne (11h00, Sport TV2), no qual Nuno Borges participa. Também o ATP 250 de Maiorca (12h00, Sport TV3)
Terça-feira, 24
⚽ O FC Porto com um duelo decisivo contra o Al Ahly (02h00, TVI/DAZN). No mesmo grupo, e muito importante para os dragões, Inter Miami-Palmeiras (02h00, DAZN). No mesmo dia 24, mas muitas horas depois, também o Benfica ficará a saber se acede à fase seguinte, defrontando o Bayern (20h00, DAZN), num grupo em que também se defrontam Auckland City e Boca Juniors (20h00, DAZN)
⚽ Mais um ponto na histórica participação feminina no Europeu sub-19, com as meias-finais diante da França (16h00, Canal 11). Na mesma competição, Espanha-Itália (19h00, Canal 11)
🎾 Continua a ação em Eastbourne (11h00, Sport TV2) e Maiorca (12h00, Sport TV3)
Quarta-feira, 25
⚽ No Mundial de Clubes, Espérance Tunis-Chelsea (02h00, DAZN) e LAFC-Flamengo (02h00, DAZN). Mais tarde, e para fechar o grupo F, Dortmund-Ulsand HD (20h00, DAZN)) e Mamelodi-Fluminense (20h00, DAZN)
⚽ Na Gold Cup, Panamá-Jamaica (0h00, Sport TV1) ou Canadá-El Salvador (03h00, Sport TV1)
⚽ Meias-finais do Europeu sub-21 entre Inglaterra e Países Baixos (17h00, Sport TV1) e Alemanha-França (20h00, Sport TV1)
🎾 Mais Eastbourne (11h00, Sport TV2) e Maiorca (12h00, Sport TV3)
🏒 Jogo 4 da final do campeonato de hóquei em patins: OC Barcelos-FC Porto (21h00, DAZN 2)
⚽ Jogo 4 da final da liga de futsal. Na Luz (20h00, Canal 11), uma vitória do Sporting dá o título aos leões. Se for o Benfica a ganhar, há jogo 5 (domingo, 19h00, Canal 11)
Quinta-feira, 26
⚽ Mais um grupo a fechar-se, com o Inter-River Plate (02h00, DAZN) e o Urawa Red Diamonds-Monterrey (02h00, DAZN). Muitas horas depois, Juventus-Manchester City (20h00, TVI/DAZN) e Wydad-Al Ain (20h00, DAZN)
⚽ A final do Europeu sub-19 (19h00, Canal 11)
🎾 Mais Eastbourne (11h00, Sport TV2) e Maiorca (10h30, Sport TV1)
🚴 Com o Tour bem perto, é tempo de campeonatos nacionais. Siga os franceses de contra-relógio (13h00, Eurosport 1)
🏌️ Arranca o Italian Open, do DP World Tour (12h30, Sport TV3)
Sexta-feira, 27
⚽ Termina a fase de grupos do Mundial de Clubes: Al Hilal-Pachuca (02h00, DAZN) e Red Bull Salzburg-Real Madrid (02h00, DAZN)
⚽ Quem sabe se com Portugal, a final do Europeu sub-19 feminino (19h00, Canal 11)
🏍️ Moto GP, GP Países Baixos, treinos livres (14h00, Sport TV4)
🎾 Eastbourne, com as meias-finais (15h00, Sport TV6), a mesma fase de Maiorca (14h30, Sport TV1)
🎾 WTA 500 de Bad Homburg, meias-finais (12h00, DAZN2)
Sábado, 28
⚽ Final do Europeu sub-21 (20h00, Sport TV1)
🎾 As final de Bad Homburg (12h30, DAZN2) Maiorca (14h00, Sport TV2) e Eastbourne (16h00, Sport TV2)
🏍️ Moto GP, GP Países Baixos, corrida sprint (14h00, Sport TV4)
⚽ Arrancam os oitavos de final do Mundial de Clubes. O primeiro jogo é às 17h00 (DAZN) e o segundo às 21h00 (DAZN)
Domingo, 29
⚽ Mais dois embates dos oitavos de final do Mundial de Clubes, às 17h00 (DAZN) e o às 21h00 (DAZN)
⚽ Por estranho que pareça (ou não), a Arábia Saudita disputa a Gold Cup. Nos quartos de final, defronta o México (03h15, Sport TV1)
🏍️ Moto GP, GP Países Baixos, corrida (13h00, Sport TV4)
🚴 Campeonatos nacionais em linha de França (13h15, Eurosport 1) e Espanha (16h15, Eurosport 1)
Hoje deu-nos para isto
A sucessão de êxitos e medalhas é tal que, a certa altura da espiral de glória, podemos perder noção da anormalidade do conseguido. Corre-se o risco de, pelo hábito de viver no loop da conquista, não se conseguir dar um passo atrás para medir, com exatidão, a brutalidade da façanha.
Fernando Pimenta continua a construir uma carreira monumental. A rotina do canoísta vive de medalhas de tempos a tempos, como se fossem as estações a passar. Fará, em agosto, 36 anos, mas mantém-se um predador insaciável, seja em que distâncias for, em que contexto competitivo se inserir, seja em ano pré ou pós-olímpico.
Nos Europeus de canoagem, foi mais um ouro em K1 1000, o quarto da carreira; e mais um título em K1 5000, também o quarto do percurso. Ainda houve o ouro do K4 500 e a prata de Messias Baptista no K1 200, tudo gente que olha para Fernando Pimenta como ídolo e referência.
Mas seria um erro analisar Pimenta só pelos ouros, pelos pódios, pela longevidade, pela consistência, pela polivalência. Há ali mais do que dezenas de medalhas internacionais, há algo para lá da repetição das conquistas.
Num certo sentido, há ali um exemplo de desportista, um modelo. O esforço, a disciplina, o estar disposto a fazer mais, mais, mais até onde for preciso.
Fernando Pimenta ganha. Ganha muito. Mas, se fosse somente — com uma aspas do tamanho do estatuto do canoísta — ganhar, não veríamos cenas como as que se seguiram à desilusão de Paris.
Nos Jogos do passado verão, quando o português não conseguiu uma terceira medalha olímpica, a dor apoderou-se do limiano. Mas, instantes depois, aconteceu uma das mais marcantes cenas do desporto nacional em 2024.
Não foi uma vitória. Não foi um pódio. Foi uma homenagem espontânea, que uniu conhecidos e desconhecidos, adversários e fãs, família e amigos. Todos quiseram prestar tributo à “lenda”, mostrar-lhe que o legado está acima das vitórias, que o loop de êxitos não é métrica única para aferir da dimensão de um dos melhores e mais completos desportistas portugueses de sempre.
Foi após uma derrota que deu para aferir com maior precisão o respeito conquistado por Fernando Pimenta. Ele continuará a ganhar, porque é assim que vive. Mas não são só as vitórias que o farão imortal.
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